Projeto urbanístico de Lucio Costa recebeu título da Unesco em 1997. G1 conversou com arquiteto e professor sobre razões para capital ser considerada patrimônio e passeou pela capital.
Por Luiza Garonce, G1 DF
Patrimônio Cultural da Humanidade há trinta anos, há quem diga que Brasília seja um tesouro urbanístico desde a concepção, quando ainda era um apenas um projeto de capital idealizado por Lucio Costa.
Nesta semana, a cidade comemorou o título que recebeu da Unesco em 1997 e, por isso, o G1 conversou com o arquiteto e professor aposentado da UnB Antônio Carlos Carpintero, que fez questão de destacar: é um “apaixonado por Brasília”.
Brasília completa 30 anos como Patrimônio Cultura da Humanidade pela Unesco
Para além dos monumentos e do formato de “avião” que tem o Plano Piloto visto de cima, segundo o arquiteto, é o céu que carrega o elemento estético mais emblemático da capital – o horizonte.
Inspiração para músicos e poetas candangos, o “céu azul de nuvens doidas”, que também fica laranja, amarelo, rosa e roxo, pode ser visto de qualquer lugar no centro de Brasília.
Com amplas avenidas, ruas sem esquina, prédios espaçados e extensas áreas verdes, Brasília é o exemplo tupiniquim do conceito de cidade jardim e a expressão da modernidade, diz o arquiteto.
“Os prédios estão diretamente ligados aos gramados. A cidade como que brota no meio do parque.”
A própria largura do Eixão, com quatro faixas em cada sentido – especialmente em uma época que a indústria automotiva iniciava as atividades no país – revela a preocupação do urbanista com a estética da cidade. “Ele queria deixar o horizonte sempre visível. Aproveitá-lo ao máximo. E também tem a questão da monumentalidade.”
Ipê nas proximidades do Teatro Nacional de Brasília (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)
À brasileira
O arquiteto explicou ao G1 que o projeto de Brasília foi elaborado com base em cinco pilares da teoria urbana moderna, que tem origem na Europa no final do século XIV: cidades jardim, linear e modernista, a estética do automóvel e o sistema de propriedades.
Todos estes elementos já haviam sido aplicados em outras cidades do mundo, como Helsinque, capital da Finlândia, e Berlim, na Alemanha. No entanto, Brasília venceria no quesito criatividade caso houvesse um concurso internacional, aposta Carpintero.
“A inovação de Lucio Costa foi a capacidade de ‘abrasileirar’ [os conceitos]”, disse. “Costa agrupou elementos da teoria urbana e juntou em algo que é muito brasileiro. Ele pegou o particular e transformou em algo universal.”
“Brasília nega os conceitos europeus, para cidades onde o clima varia de muito quente a muito frio. Em Brasília não tem o ‘muito frio’.”
Esplanada dos Ministérios vista de cima da Torre de TV, em Brasília (Foto: Toninho Tavares/Agência Brasília/Divulgação)
Própria de cidades quentes, a arquitetura com largos espaços de “respiro” entre os prédios e a malha rodoviária também ampla dão destaque ao caráter monumental da capital, que é melhor apreciada em velocidade, segundo Carpintero.
Não por outro motivo, Brasília teria sido a primeira cidade do mundo a adotar velocidade máxima acima de 40 km/h nas principais avenidas, como o Eixão. “Até então não havia em lugar algum do mundo, porque o automóvel surge no final do século XIV. As cidades haviam sido feitas com o raciocínio de Paris, para cavalos e adaptadas para automóveis.”
“Brasília foi feita para carros. É dinâmica. Tem que percorrer a cidade de carro pra sentir a qualidade estética.”
Eixão de Brasília corta as ‘Asas’ sul e norte da cidade (Foto: André Borges/Agência Brasília)
Para ver em movimento
Para experimentar essa “qualidade estética” a que Carpintero se refere, ele faz a seguinte sugestão: “Pegue o carro e vá com a maior velocidade permitida na via. É possível ter uma visão da cidade única.’ Você vê a monumentalidade da coisa.”
“Se descer a Praça Buriti pela Esplanada, você vê a cidade se descortinar em pedaços.”
Via S1 da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com vista para a Torre de TV (Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília)
“Quando chega na Torre de TV, ainda está no mesmo plano. Depois começa a descer e você tem outra visão das coisas. Quando chega na Rodoviária, aquilo tudo se espreme, passa por um túnel e de repente se abre de novo na Esplanada absolutamente plana com a visão do horizonte.
“É uma coisa muito interessante de se prestar atenção. É único no mundo.”
Segundo ele, a Esplanada foi inspirada em Paris, na França, na avenida que passa pela Torre Eiffel, a Champ de Mars. “Brasília ganha 200 mil vezes, porque aqui tem o horizonte”, disse Carpintero.
E as quadras modelo?
O termo “quadra modelo”, usado para descrever os conjuntos habitacionais previstos no projeto original de Lucio Costa – compostos por prédios residenciais, escola, comércio, igreja – não estava descrito no plano de Brasília, explicou o arquiteto Antônio Carlos Carpintero.
Superquadra modelo de Lúcio Costa, 308 Sul, em Brasília (Foto: Luiza Garonce/G1)
“Foi um nome que se atribuiu anos depois às quadras que cumpriram todo o plano previsto por Lucio Costa.” Mesmo assim, ele ressalta que até mesmo essas superquadras (como a 308 Sul) “não são a perfeição” – acabaram sendo desvirtuadas ao longo das décadas.
“O clube [Vizinhança], por exemplo, era pra ser mais parecido com o que é o Cine Brasília, aberto ao público e não privado.”
Nas outras quadras, o projeto teria sido modificado por determinação da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), quando começou a vender os terrenos para imobiliárias. “Ela delimitou as áreas até a beira da pista. Aí as praças, como a da Igrejinha, passaram a ser do terreno particular das igrejas.”
Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 Sul, em Brasília (Foto: Luiza Garonce/G1)
A planta dos prédios residenciais também foi alterada para comportar apartamentos maiores e, segundo Carpintero, isso acabou afetando o funcionamento orgânico de toda a quadra. As comerciais, que foram pensadas para abastecer dois conjuntos residenciais, não se sustentaram com a baixa densidade demográfica.
“Um comércio não se sustenta se não tiver a população que vá utilizar os serviços. Por isso, na Asa Sul as comerciais acabaram formando setores: das elétricas, da moda.”
O ex-presidente Juscelino Kubitschek e Lucio Costa visitando terreno onde seria Brasília (Foto: Arquivo Público do Distrito Federal)
Segundo o professor, Lucio Costa havia projetado 15 blocos por residencial – todos eles mais estreitos para comportar apartamentos de 60 a 80 metros quadrados. “Isso só aconteceu na 312 Norte, porque a Novacap infringiu as regras. Os prédios têm uma média de 72 apartamentos e o comércio é rico e variado.”
O plano inicial previa uma população de até 4 mil pessoas por quadra, mas não é isso o que se vê hoje em dia na maior parte do Plano Piloto. “Fizeram blocos com apartamentos de até 140 metros quadrados. A Asa Sul está cheia. Acabaram desviando o projeto do Lucio Costa.”
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