Atentados contra a imprensa marcam gestão dos Kirchner na Argentina


Assembleia de acionistas do “Clarín”, com a presença do secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno (E)
Foto: FOTO: ‘La Nación’

Assembleia de acionistas do “Clarín”, com a presença do secretário de  Comércio Interior, Guillermo Moreno (E) FOTO: ‘La Nación’

O Globo –  Os rumores, nas últimas semanas, sobre uma possível  intervenção estatal no “Clarín”, o mais importante grupo de comunicação da  Argentina, são o mais recente capítulo de uma onda de ataques, pressões e  restrições à liberdade de expressão no país, desde que o governo Kirchner  assumiu. A escalada de atos oficiais contra a liberdade de imprensa na história  recente da Argentina é o tema de uma série de reportagens que O GLOBO publica a  partir deste domingo, intitulada “Liberdade Amordaçada”, que mostra como as  restrições à liberdade de expressão afetam a sociedade como um todo. Os textos  estão sendo compartilhados com mais dez jornais da América Latina que,  juntamente com O GLOBO, integram o Grupo de Diarios América (GDA).

 

Os primeiros conflitos entre o governo kirchnerista e os meios de comunicação  surgiram em meados de 2008, durante a rebelião dos produtores rurais que  terminou com a ruptura entre a presidente Cristina Kirchner e seu então  vice-presidente, Julio Cobos. A cobertura jornalística da crise dos ruralistas  (em meio à qual Cristina pensou em renunciar à presidência) feita por “Clarín” e  “La Nación”, os dois jornais mais lidos pelos argentinos, foi questionada pelo  governo kirchnerista, que, no ano seguinte, culpou a imprensa pela derrota do  ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) nas eleições legislativas de junho de  2009.

A resposta não tardou. Três meses depois e com o governo mergulhado numa  crise interna, foi aprovada a polêmica Lei de Meios Audiovisuais, ainda motivo  de disputas na Justiça. Desde então, segundo jornalistas locais, os meios de  comunicação privados e não alinhados com a Casa Rosada são considerados inimigos  do projeto de poder kirchnerista, que tem como pilar essencial “o silenciamento  de vozes opositoras”.

Este ano, quando o governo Kirchner enfrentará um novo teste nas urnas (as  eleições legislativas do próximo dia 28 de outubro), os atentados à liberdade de  expressão se intensificam. O kirchnerismo apresentou recentemente um projeto de  lei que prevê a expropriação da empresa Papel Prensa, controlada pelos grupos  Clarín (49%), La Nación (22,6%) e Estado (28%), iniciativa que deixaria em mãos  do Estado o controle total da produção, comercialização e importação do papel de  jornal (a companhia abastece 95% dos diários argentinos).

O governo também redobrou as pressões sobre a Justiça para obter um parecer  favorável à plena aplicação da Lei de Meios, principalmente, aprovando no  Congresso uma polêmica reforma do Judiciário. Agora, o governo Cristina Kirchner  persegue a ideia de uma intervenção no grupo Clarín por meio da nova Lei de  Mercado de Capitais. A escalada de restrição à atuação da imprensa tem  despertado reações de repúdio por parte de associações de defesa da liberdade de  expressão dentro e fora da Argentina, entre elas a Sociedade Interamericana de  Imprensa (SIP) e a Associação Internacional de Radiodifusão (AIR).

A própria Cristina Kirchner reforçou os ataques a meios de comunicação em  cadeias de rádio e TV e o governo aplicou medidas que estão asfixiando  economicamente a imprensa, entre elas a proibição (não oficial, mas efetiva) de  publicar anúncios de supermercados e de cadeias de eletrodomésticos nos jornais,  considerada um atentado ao direito de informação por associações de defesa dos  consumidores. Organismos estatais, como a AFIP (a Receita local), também estão  sendo usados para intimidar jornalistas e empresas do setor, entre outras  ofensivas.

— No ano passado, registramos 172 agressões a jornalistas e meios de  comunicação, incluindo ataques, perseguições tributárias e judiciais e  distribuição dos milionários recursos da publicidade oficial só entre empresas  alinhadas com as políticas do governo — disse Andrés D’Alessandro, diretor  executivo do Foro de Jornalistas Argentinos (FOPEA).

Entre 2011 e 2012, explicou D’Alessandro, o número de agressões aumentou  41%.

— Estamos observado a consolidação e naturalização de uma dinâmica permanente  de assédio à imprensa — lamentou o diretor executivo do FOPEA.

Decretos locais para defender liberdade

A utilização de organismos como a AFIP como arma na declarada guerra contra a  imprensa independente é cada vez mais intensa. Em 2009, mais de 200 agentes da  Receita local participaram de uma inspeção ao grupo Clarín. Este mês, dois  jornalistas do canal de TV “Todo Notícias” foram alvo de devassa do Fisco em  suas residências. O diretor da AFIP, Ricardo Etchegaray, entrou na Justiça  contra o jornalista Matias Longoni, do “Clarín”, acusado de provocar “danos e  prejuízos” ao funcionário pela publicação do livro “Fora de Controle”, uma  biografia não autorizada de Etchegaray, que inclui informações sobre sua  formação militar na década de 70. O diretor da AFIP exige 1 milhão de pesos  (cerca de US$ 190 mil) de indenização.

— Nos últimos tempos, a AFIP tornou-se central na estratégia de perseguição a  jornalistas e meios de comunicação — afirmou José Crettaz, especialista e mídia  do jornal “La Nación”.

Apesar de no ano passado ter distribuído cerca de 1,9 bilhão de pesos (cerca  de US$ 365 milhões) em recursos da publicidade oficial e com isso controlar,  segundo Crettaz, mais de 80% dos meios de comunicação, o governo Kirchner  continua enfrentando denúncias de corrupção, questionamentos de suas políticas e  críticas diversas por parte de jornais que não dependem do Estado para  sobreviver. A escalada de ataques é cada vez maior e levou dois dirigentes de  peso da oposição, o chefe de governo portenho, Mauricio Macri, e o governador da  província de Córdoba, José Manuel de la Sota, a aprovarem decretos (que deverão  tornar-se leis provinciais) de defesa de liberdade de expressão em seus  distritos.

*Correspondente

Gostou? Compartilhe!

Mais leitura
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore