O Tribunal do Júri condenou 23 dos 26 policiais militares acusados de matar 13 dos 111 detentos durante o massacre do Carandiru. Com pena de 12 anos de reclusão para cada homicídio, eles foram condenados a 156 anos de prisão, mas poderão recorrer da sentença em liberdade, de acordo com o juiz José Augusto Marzagão. Inicialmente, os réus responderiam por 15 mortes, mas duas foram descartadas do processo a pedido do Ministério Público. Uma das vítimas foi morta com armas brancas, o que afastou a suspeita de ação policial, e a outra em outro local do presídio. A Promotoria pediu também a absolvição de três policiais, que comprovaram estar em outros pontos do Carandiru no momento do massacre. Outros 53 policiais também serão julgados este ano pelo massacre, pois o julgamento foi dividido de acordo com o setor do presídio onde ocorreram as mortes.
O último dia do julgamento durou mais de 16 horas e foi encerrado por volta de 1h20 deste domingo, com a leitura da sentença pelo do juiz. Para chegar à sentença, os jurados tiveram de responder a mais de 200 páginas de questionários, devido ao número de réus e vítimas.
A advogada Ieda Ribeiro de Souza, que defende os 26 réus, informou que vai recorrer da decisão. Os policiais poderão aguardar o julgamento dos recursos em liberdade.
— (A condenação) não reflete a vontade da sociedade brasileira — disse a advogada, que acrescentou quando questionada sobre se a absolvição do coronel Ubiratan Guimarães pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJ), após condenado pelo tribunal do júri, deveria ser estendida aos comandados dele:
— É um despropósito jurídico. Esse é o cunho político do julgamento.
O Ministério Público se disse satisfeito com a condenação e comentou que a punição foi adequada.
— Foi um trabalho baseado num estudo bastante aprofundado do processo — disse o promotor Fernando Pereira da Silva, que ainda vai analisar se há base ou não para uma futura acusação dos PMs absolvidos neste domingo.
Também responsável pela acusação, o promotor de Justiça Márcio Friggi fez questão de salientar que os 23 réus representam os “maus policiais”.
— Volto a reafirmar que a Polícia Militar é uma instituição gloriosa — disse Friggi, que acrescentou, ao comentar também sobre o júri do coronel Ubiratan Guimarães:
— O povo reconheceu sim a responsabilidade do coronel Ubiratan.
Foram condenados os policiais militares Ronaldo Ribeiro dos Santos, Aércio Dornellas Santos, Wlandekis Antonio Candido, Antonio Luiz Aparecido Marangoni, Joel Cantilio Dias , Pedro Paulo de Oliveira Marques, Gervásio Pereira dos Santos Filho, Marcos Antonio de Medeiros, Paulo Estevão de Melo, Roberto Yoshio Yoshikado, Fernando Trindade, Salvador Sarnelli, Argemiro Cândido, Haroldo Cândido, Elder Tarabori, Antonio Mauro Scarpa, Marcelo José de Lira, Roberto do Carmo Filho, Zaqueu Teixeira, Osvaldo Papa, Reinaldo Henrique de OIiveira, Sidnei Serafim dos Anjos e Marcos Ricardo Poloniato.
O julgamento dos 26 policiais militares começou na última segunda-feira, dia 15, depois de ser suspenso por uma semana, em razão do mal estar de dos jurados. Com isso, o juiz Marzagão teve de dissolver o conselho de jurados e convocar um novo júri.
Na quarta-feira, a sessão do juri foi suspensa, novamente por causa de um mal estar de um outro jurado, mas ele retornou ao tribunal e o julgamento pode continuar. Ao longo da semana foram ouvidas testemunhas e autoridades, como o ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho, em cuja gestão ocorreu a invasão do presídio no dia 2 de outubro de 1992.
Promotor defendeu que réus fossem julgados de forma coletiva
Ontem, a sessão começou às 9h50 da manhã, com o promotor de Justiça Fernando Pereira da Silva apresentado os argumentos da acusação. Ele defendeu que a ação do grupo de policiais réus no processo fosse julgada coletivamente.
No início de sua exposição, o promotor disse que o massacre do Carandiru é “a causa mais complexa da Justiça brasileira”, salientando que “as penas de prisão” das vítimas “foram transformadas em penas de morte”.
— Segundo o Ministério Público, desde março de 1993, é uma ação (da tropa) de conduta coletiva. A defesa sempre tentou dizer que há necessidade de individualização da conduta, desde o início do processo — disse. — Todos dispararam. E cada qual teve ciência que contribuiu para a obra comum — ressaltou.
O promotor utilizou de laudos do Instituto Médico Legal (IML) da ocasião para mostrar que 84,6% das 13 vítimas do segundo pavimento, que está sendo julgado nesse processo, foram atingidos por disparos na cabeça e no pescoço. Já sobre os 23 policiais militares que teriam se ferido em confronto com presos em todo o pavilhão 9, segundo Fernando Pereira da Silva, a maioria teve escoriações, quedas acidentais e podem ter sido vítimas de ricochetes.
— Isso é balela (que os 23 policiais foram feridos no confronto com presos do pavilhão 9) — concluiu o promotor.
No total, o processo registra 15 mortes. Além das 13 por arma de fogo, uma foi causada por golpes de arma, e outra que constava no processo como morta no segundo pavimento, na verdade, foi encontrada na gaiola do pavimento superior, o terceiro.
— A decisão que sair daqui à noite vai repercutir no mundo todo — disse o promotor dirigindo-se aos jurados ao finalizar sua apresentação, que durou três horas.
Advogada tentou desqulificar perícia
A advogada dos 26 réus policiais militares acusados pelo massacre, Ieda Ribeiro de Souza, em sua réplica acusou o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio de Fleury Filho, arrolado como testemunha de defesa pela própria defensora, de omissão no caso. Disse ainda que a instituição Polícia Militar (PM) foi vendida duas vezes pelo governo paulista, a primeira deles no Carandiru e a segunda, na ocasião dos ataques de maio de 2006.
— Ele (Fleury) disse aqui: “Recebi a notícia de 50 corpos (no dia do massacre) e fui dormir. Como assim? (…) Essa corporação foi vendida. Ele disse: “A minha polícia não se omite”. Mas eu digo: meu governador se omite.
Aos jurados, a advogada tentou desqualificar a perícia na época, contestando fotos e provas técnicas, além de lembrar de erros de laudos do IML na ocasião. Disse que outras perícias foram feitas por outros organismos, inclusive o Núcleo de Estudos de Violência da USP, que deu um parecer diferente ao da perícia sobre fotos feitas pela perícia.
— Resta à Promotoria a acusação genérica, a comoção social e os livros escritos única e exclusivamente na opinião dos detentos (…) Falta ao Ministério Público individualização da conduta. Foram pronunciados os 79 que disseram “eu atirei”.
Ao concluir sua defesa, que durou duas horas, a advogada disse:
— Esse processo foi feito às pressas, de forma ridícula para dar satisfação a organismos internacionais — disse, acrescentando que cada jurado responderá a quatro quesitos para cada um dos 26 réus, vezes 15 vítimas. Informaçoes de O Globo.