Autora da saga ‘Crepúsculo’ fala sobre sua segunda série de livros

 Maquiagem forte, cabelo jogado para o lado, Stephenie Meyer se  senta na beira do sofá da suíte do hotel de luxo como se estivesse pronta para  sair do local a qualquer momento. Pudera. Em “A hospedeira”, que chega aos  cinemas brasileiros na próxima sexta-feira, sob a direção de Andrew Niccol  (“Gattaca — experiência genética” e “O show de Truman”), ficam em segundo plano  a protagonista Saoirse Ronan, indicada ao Oscar por “Desejo e reparação”, e o  veterano William Hurt, que vive o tio da mocinha na adaptação do livro de ficção  científica centrado em uma invasão alienígena à Terra num futuro próximo. Todos  querem entender a cabeça da dona de casa mórmon do Arizona, mãe de três filhos,  uma das maiores best-sellers dos últimos oito anos. Sua série “Crepúsculo” vendeu mais de 100 milhões de exemplares, embalada pelo romance adolescente de  Bella Swan e Edward Cullen, vividos na tela grande por Kirsten Stewart e Robert  Pattinson. Combinados, os cinco filmes da franquia fizeram, entre 2008 e o ano  passado, US$ 3,3 bilhões, um dos maiores sucessos da produção contemporânea de  Hollywood. “A hospedeira”, por sua vez, ficou 26 semanas na lista dos mais  vendidos do “New York Times”. No Brasil, a saga dos vampiros, lançada pela  editora Intrínseca, vendeu quase 6 milhões. E “A hospedeira”, da mesma editora,  já passa dos 418 mil livros vendidos.

— Confesso que tinha uma fantasia sobre minha vida de escritora. Pensava em  trabalhar de casa, mais reclusa. Qual o quê. Hoje, constantemente me pego  nervosa quando autografo meus livros, por conta das meninas que não param de  chorar. Ainda não sei bem o que fazer, é estranhíssimo — conta, em entrevista ao  GLOBO, a escritora de 39 anos, que abandonou o projeto de se tornar advogada ao  receber um adiantamento milionário para repovoar a ficção contemporânea com  vampiros e lobisomens.

Meyer diz que “Crepúsculo” nasceu de um sonho. Ela acordou com a imagem  límpida de uma adolescente conversando com um vampiro sobre as dificuldades do  relacionamento amoroso dos dois. “A hospedeira”, por sua vez, deve sua  existência a um tique da escritora: contar histórias, em alto e bom som, para si  mesma, quando dirige sozinha pelas autoestradas americanas.

— Estava muito cansada, acompanhando a edição do primeiro filme da franquia “Crepúsculo”, quando peguei a estrada do Arizona para Utah. Fui refletindo sobre  o fenômeno em torno de personagens que originalmente representavam, para mim,  uma saída da minha rotina. Mas, naquele momento, eles estavam se tornando algo  muito maior, cheios de pressão. Decidi então criar novamente algo só para mim,  sem expectativas de fãs ou editores — diz.

Temas morais e discurso político

Meyer jura que “A hospedeira”, como “Crepúsculo”, não foi pensado  originalmente para chegar ao público. A primeira série só foi descoberta por  editores por conta do entusiasmo de uma de suas irmãs, que a convenceu a  procurar alguém para publicá-la. Já o manuscrito final de “A hospedeira” só foi  parar nas mãos da editora quando Meyer percebeu que os personagens, mais uma  vez, “pareciam ter vida própria”.

Mórmon devota, que não bebe nem fuma e proclama repetidamente sua “criação  cristã”, Meyer surgiu para o grande público como a inventora de Bella, uma  adolescente apaixonada por um vampiro de pele alvíssima, tão boa-pinta quanto  interessado em manter a castidade da amada. Críticos logo detectaram mensagens  caras aos conservadores sociais americanos, como a promoção da abstinência  sexual entre jovens e a condenação do aborto. Num dos momentos mais dramáticos  da saga, Bella decide ter a filha que gerou com Edward, mesmo com os riscos de  um parto para lá de delicado.

— Não pensei em temas morais ou em embutir um discurso político nos meus  livros. Honestamente, a reação foi uma surpresa para mim. Eu me inspirei em  minha história para imaginar a situação de Bella, que se recusa a considerar a  opção do aborto. Os médicos me disseram que eu estava perdendo meu primeiro  filho. O pior não aconteceu, ele tem hoje 15 anos, mas aquelas foram as semanas  mais difíceis da minha vida. Essa experiência deixou uma marca permanente em  mim. E minha história acabou vazando para o personagem. Era Bella quem dizia: eu  quero ter esta criança. Simples assim, sem mensagem política — se defende.

Não ajuda o fato de a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ser  uma das principais financiadoras da oposição a movimentos de cunho liberal, como  a luta pelos direitos civis dos gays nos EUA. Meyer, por sua vez, diz que  percebeu na crítica especializada uma tentativa de estereotipá-la por conta das  especificidades de sua fé.

— Por muito tempo, fui apresentada como a escritora mórmon mãe de três  crianças. Mas você não vê o Jon Stewart (comediante político, apresentador  do “The Daily Show”, na TV americana) ser chamado de pai judeu de duas  crianças. E eu não tenho a menor ideia de que religião J.K. Rowling professa.  Aliás, ninguém parece ligar para isso, não é? — pergunta.

Foi justamente ao estabelecer uma comparação entre a autora de “Harry Potter” e a de “Crepúsculo” que o escritor Stephen King, em entrevista ao jornal “USA  Today”, ofereceu uma das mais notórias críticas a Meyer, então festejada por  parte da indústria editorial como uma das responsáveis pela reinvenção da  literatura de fantasia adolescente nos EUA. O autor de “O iluminado” afirmou  que, ao contrário de Rowling, “Meyer não é apta a escrever”.

Como o brasileiro Paulo Coelho — “tenho ‘O Alquimista’ separado em casa e só  não comecei a ler porque a pessoa que me indicou foi a mesma que me deu uma dica  furada”, diz —, Meyer recebeu uma saraivada de críticas negativas, intensificada  após a explosão de “Crepúsculo”.

— O engraçado é que, quando lancei o primeiro livro, fui recebida com algum  carinho. Depois que fui parar na lista dos mais vendidos, os mesmos críticos  passaram a me destruir. Os mesmos! Percebi uma determinação maior de se  encontrar falhas nos meus livros. Tudo bem, concordo com eles, há mesmo vários  pecadilhos na minha produção literária. Tenho consciência de que sou uma  contadora de histórias muito melhor do que escritora. Mas tenho melhorado — diz.

Continuação a caminho

“A hospedeira”, diz Meyer, que tem formação em Língua Inglesa, é seu livro  mais bem-acabado, sua história favorita. Nele, a jovem Melanie é obrigada a  conviver com Wanda, a forma alienígena que toma seu corpo. As duas vivem em  estado de permanente tensão, com Melanie buscando proteger o que restou de sua  família e Wanda inicialmente interessada em assegurar o domínio do planeta por  seres mais avançados. No filme, Saoirse Ronan resolve bem a difícil tarefa de  viver duas personagens dividindo um mesmo invólucro.

Mas não é possível deixar de perceber que os vilões intelectualizados criados  por Meyer são também ecologicamente corretos e contrários à violência. No clímax  da história, uma personagem se vê na iminência de, como Cristo, se sacrificar  para salvar a Humanidade.

— Quando escrevi, não pensei nisso. Mas foi inevitável pensar que o amor da  personagem era maior do que o desejo de se manter viva. Se a história de Bella  era sobre um primeiro amor que a consumia, a de Melanie e Wanda é uma narrativa  de sobrevivência, centrada na defesa da raça humana, diz Meyer, no momento  escrevendo, “em um ritmo bem lento”, a continuação de “A hospedeira”.

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