Mas, de fato, ainda são um desafio as ações que serão necessárias para se vencer o poder paralelo e impiedoso das facções criminosas que buscam — com a violência — se manter no comando de comunidades conflagradas e, principalmente, do tráfico de drogas.
Os ataques a ônibus e escolas, policiais, agentes prisionais, bases da segurança e do sistema prisional mostraram um crime organizado articulado.
Documentos que o Diário Catarinense obteve indicam que as polícias Civil e Militar, as secretarias de Segurança Pública e Justiça e Cidadania, o Judiciário e o Ministério Público estão cientes que as organizações criminosas se mantêm vivas, determinando assassinatos e ordens para o caos na sociedade.
A evidência mais explícita disso está no banho de sangue imposto em morros de Florianópolis para garantir a soberania de pontos históricos de venda de drogas. Isso não é novo. Acontece há mais de uma década e dificilmente apenas as medidas tomadas quando o caos se aflora serão suficientes para expurgar o terror nas ruas.
A ameaça gerada pelo PGC ainda é reforçada pela tentativa do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, de se instalar em SC, de olho no rentável negócio do tráfico de drogas, que tem no Estado um polo consumidor.
Nesta reportagem, veja as seis razões que levam o crime organizado a manter a população refém e o que dizem as autoridades a respeito.
Algumas razões:
Criminosos nas ruas
Ainda é grande o número de disciplinas e soldados das duas organizações criminosas surgidas em prisões que comandam o crime organizado no Estado nas ruas: o Primeiro Grupo Catarinense (PGC), a mais forte delas, que nasceu em 2001 na ala máxima da Penitenciária de Florianópolis e se disseminou a partir de uma espécie de fundação do bando em 2003 na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, que tenta se instalar em Santa Catarina e vem disputando forças para o comando de pontos de drogas na Grande Florianópolis.
Não há reforço na inteligência e monitoramento constante nas cadeias
O ideal seria que cada uma das 48 unidades prisionais tenha um efetivo atuante e dedicado a monitorar os detentos em ações de inteligência, se inteirando das ações e planos dos detentos e compartilhando informações a todo instante com as polícias. Nessa linha, seria possível identificar familiares e até advogados suspeitos para ampliar o monitoramento. Dentro das polícias e no sistema prisional a quantidade de servidores das áreas de inteligência ainda seria acanhada. O próprio Departamento de Administração Prisional (Deap) não conta com setor de inteligência e o existente é da Secretaria da Justiça e Cidadania
Não há segurança e tecnologias nas cadeias
As cadeias estão sem bloqueadores de sinal de celulares. Há denúncias de facilitação da entrada de aparelhos pelo Estado ou até arremesso deles para dentro das unidades. Haveria também falhas nas revistas das visitas. Os celulares são a principal forma de comunicação das facções. Nesta última onda de violência, ficou constatado que as ordens foram gravadas de celulares em vídeos ou áudios.
Não há uma delegacia de Combate ao Crime Organizado
Ao contrário de outros Estados, não há em Santa Catarina uma grande unidade policial dedicada especificamente para investigar o crime organizado. A dificuldade seria a falta de efetivo para tirá-la do papel. Hoje esse trabalho é feito por um divisão da Deic, a de repressão ao crime organizado, que conta com estrutura tímida de cinco policiais, sendo apenas um delegado.
Em janeiro de 2013, uma força-tarefa chegou a ser criada na Deic, mas foi destituída cinco meses depois. O grupo reunia policiais de várias delegacias e agente penitenciário cuja maioria dos integrantes tinha grande experiência e conhecimento sobre criminosos em atividade no Estado. Foi essa equipe que mapeou 100 integrantes do PGC. O trabalho resultou em sentença histórica com penas que chegam a 1.049 anos de prisão.
Tráfico de drogas: sem freio ao consumo
É do movimento das chamadas biqueiras (pontos de venda de drogas) que o PGC constrói sua capacidade financeira para comandar novos crimes, pagar advogados e custear outras despesas do bando. A venda de entorpecentes se dá em grande parte nos morros do Maciço do Morro da Cruz, Continente e Grande Florianópolis, mas a quadrilha também domina o tráfico em outras cidades. O raciocínio da polícia é o de lógica: se há essa condição para o PGC buscar dinheiro ocorre em razão da grande quantidade de usuários. A dimensão do consumo de drogas no Estado seria a principal razão da vinda do PCC, que vê nesse mercado ilícito a chance de se reestruturar ainda mais pelo Brasil.
Políticas públicas insuficientes
A realidade de adolescentes e jovens sendo recrutados e ou intimidados por facções criminosas mostra que as políticas públicas têm sido insuficientes. Os comandos dessas organizações criminosas acabam se aproveitando da vulnerabilidade social das comunidades e quem é recrutado acaba buscando a ascensão que não conseguiu na via legal pela via do crime. Por isso, ficam evidentes as necessidades de se ampliar ações de educação, lazer e cultura para vencer o atrativo ilícito gerado pela economia do tráfico de drogas.
Março de 2003
Em 3 de março de 2003 emergia nas cadeias de Santa Catarina a facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense, formada por bandidos de alta periculosidade, especialmente os detidos na Ala Máxima da Penitenciária de Florianópolis.
Maio de 2003
A Penitenciária de São Pedro de Alcântara é inaugurada e os presos mais perigosos do Estado começam a ser transferidos para a unidade, que não tinha sequer condições de fornecer água. A cadeia torna-se então quartel-general da bando.
Dezembro de 2006
A falta de pessoal em São Pedro de Alcântara permaneceu até dezembro de 2006. Neste cenário, se propagaram as denúncias de agressões e os presos reclamavam que a política de administração chamada de “pau e bonde”, sendo o segundo termo usado para as constantes transferências de cadeia.
Outubro de 2012
A agente penitenciária Deise Alves, mulher do então diretor da unidade prisional, é executada por engano no lugar do marido, a mando de líderes da facção criminosa presos em São Pedro, na noite do dia 26, em São José.
Novembro de 2012
No dia 7, sessões de torturas na penitenciária, em represália à morte da agente Deise, são tornadas públicas por familiares e advogados de detentos. Cinco dias depois, a primeira série de atentados começa a se espalhar pelo Estado. A onda de violência vai até o dia 18, com 16 cidades afetadas, 68 ataques e 27 ônibus incendiados.
Janeiro de 2013
No dia 18, detentos do Presídio Regional de Joinville são submetidos por agentes penitenciários a sessão de maus-tratos, registrada em vídeo. Áudio gravado por preso de São Pedro de Alcântara, no dia 28, fala que a reedição dos atentados ocorrerá por falta de médicos, dentistas e banhos de sol nas unidades prisionais. Os presos também reclamam do descumprimento de acordo firmado com um “órgão” em novembro. No dia 30, o primeiro ônibus é queimado em Balneário Camboriú.
Fevereiro de 2013
A segunda onda de ataques se dissemina com força, atingindo todas as regiões do Estado. No dia 16, com auxílio do governo federal em uma megaoperação, o Estado transfere para penitenciárias de segurança máxima fora de Santa Catarina os principais líderes da facção criminosa e deflagra operação policial para prender aliados do PGC responsáveis pela série de atos terroristas que assolam o Estado.
Março de 2013
Em 3 de março, a Divisão de Investigação Criminal de Itajaí começa a apurar a autoria de um ataque à Central de Plantão Policial da cidade. Os cinco disparos no prédio da delegacia no Bairro São João, por volta de 3h50min, é contabilizado pela Polícia Militar como o 114º e último atentado da segunda onda de violência, que teve 37 cidades atingidas, 114 ataques e 43 ônibus consumidos pelo fogo.
Maio de 2013
O primeiro atentado do que viria a ser considerada a terceira série de ataques é registrado por volta de 5h30min do dia 20, em São José, na Grande Florianópolis. Após atear fogo em ônibus, dupla de incendiários entrega ao motorista do coletivo dois DVDs com gravações que teriam partido da Penitenciária de São Pedro de Alcântara. O comunicado ameaça que a violência voltará a tomar conta do Estado diante das “péssimas condições” do sistema prisional catarinense e de abusos que estaria sendo cometidos contra mulheres, familiares de detentos, durante revista íntima após visita à prisão. Em cinco dias, sete ataques são registrados.
Maio de 2014
Um ano e três meses depois da segunda onda de ataques em Santa Catarina, a Justiça condenou 80 acusados de envolvimento nos atendados de fevereiro de 2013 e novembro de 2012 no Estado. Apenas três dos 83 denunciados pelo Ministério Público foram absolvidos pela 3ª Vara Criminal de Blumenau. Somadas, as penas chegam a 1.049 anos. Para todos, entretanto, cabe recurso.
Setembro de 2014
No dia 26, começa a ganhar forma o que viria ser a quarta onda de atentados em Santa Catarina. Até a última sexta-feira, dia 10, a Polícia Militar contabiliza 101 casos de ataques e 23 ocorrências de apreensão de materiais que seriam usados em ações terroristas. A exemplo de 2013, o Estado contou com ajuda da Força Nacional, de Segurança para tentar combater a facção criminosa que orquestrou a série de violência e transferiu para o sistema penitenciário federal 21 integrantes do PGC – sete deles já haviam sido enviados para fora do Estado durante os ataques de fevereiro de 2013.