Diário do Pará
Com metade do corpo esticado sob o papelão estendido no chão de forma improvisada, a dona de casa Néria Silva Mesquita aguardava pela hora em que os portões do Hospital Ophir Loyola se abririam. Coberta quase que completamente pelo fino lençol carregado na bolsa, os motivos que a levaram ao local ainda às 21h do dia anterior eram maiores do que o clamor do corpo pelo conforto de casa. O irmão doente precisa de ajuda. “Meu irmão mora em Tomé-Açu e tá precisando fazer um exame. Esse exame que vê essas coisas de cisto que aparecem”.
“Venha cedo, eles dizem! Mas o que é esse cedo deles se a gente chega aqui 7h e não consegue mais nada?”, questiona-se, ao perceber a fila aumentar gradativamente pela extensão da calçada. “Eles só dão duas fichas por dia pra fazer esse exame. É muito triste ter que passar por isso. A pessoa já tá em tratamento aqui, por que tem que passar por isso?”.
A pergunta feita pela mulher de 51 anos chega até os ouvidos das dezenas de pessoas que também tentavam dormir no chão ainda antes de 5h. Com a fila já se estendendo pela fachada de mais dois prédios vizinhos ao do hospital, aos poucos a movimentação quebra o silêncio dos que esperam, ainda que a espera ainda precisasse durar até por volta de 8h. “É uma espera, uma espera… Não tem fim”.
Já habituado a essa espera, o aposentado José Francisco dos Santos, de 69 anos, tinha esperanças de que esta fosse um pouco menor. Recém-chegado de viagem, a ida para o hospital ocorreu imediatamente após a saída do Terminal Rodoviário de Belém. Como chegou no dia anterior, ele comemorava a conquista do primeiro lugar da fila. “Cheguei de Vigia e já vim direto pra fila. Cheguei aqui 17h, tô todo quebrado. Você já pensou o que é dormir em cima de um papelão no chão?”, questionava. “É muito cansativo, mas tem que vir porque se não vier, não consegue e a minha esposa tá precisando de marcar essa consulta. O problema dela já disseram que é maligno. Ela já operou do estômago há dois anos, mas agora apareceu um problema na orelha também”.
Principal dos problemas que levam idosos e doentes para as calçadas frias da madrugada, a quantidade insuficiente de fichas para atendimento médico está longe de estar concentrada apenas no Ophir Loyola. Dobrando pela lateral da Unidade Básica de Saúde da Pedreira, a longa fila era formada por quem buscava os mais diversos atendimentos.
Com o filho de onze anos guardando seu lugar na fila para ginecologista, a diarista Ana Regina, de 35 anos, tentava garantir o lugar conquistado para a criança na fila da pediatria. Na esperança de que o atendimento da criança se concretizasse mais rápido, ela desenvolvia estratégias próprias para mostrar os exames já realizados ao médico. “Tenho que entregar uns exames pro médico e até pra isso tem que vir cedo, se não, não consegue”, justificava, lembrando que a chegada na unidade aconteceu ainda por volta de 4h. “Acho que a pessoa que vem só mostrar o exame pronto não precisaria passar por isso”.
Hipertenso e diabético, a ida do administrador José Maria Nascimento até o posto na madrugada de ontem não era a primeira tentativa de consultar um clínico geral. A batalha já vinha desde a última sexta-feira. “A administração aqui desse posto é horrível. Poderiam fazer o atendimento aqui no horário normal. Mas fazem desse jeito e a gente tem que vir pra cá desde 3h pra ficar aqui sem ter nem lugar pra sentar”, reclamava, já com a informação de que apenas 10 fichas seriam distribuídas.
Mesmo tendo sido vítima recente de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), o autônomo Antônio Carlos Ferreira, de 58 anos, também não se livrou de aguardar em pé durante a madrugada. “Eu peguei um derrame esses tempos e a minha mãe me trouxe pra cá desde 3h pra falar com o clínico geral pra ver se eu arrumo qualquer coisa aqui, se eu preciso fazer alguma coisa”, contava, enquanto a mãe de 81 anos aguardava sentada no meio fio da calçada.