Death Stranding 2 é melhor que antecessor, mas perde força nas obviedades

Death Stranding 2 é melhor que antecessor, mas perde força nas obviedades

Novo jogo de Hideo Kojima se torna mais acessível ao perder charme misterioso

Hideo Kojima é, provavelmente, o único desenvolvedor que força os jogadores a encararem seus games com outro olhar. Quando o nome do diretor estampa (várias vezes) a capa e os créditos iniciais, sabemos que há algo bem diferente prestes a começar e, especialmente, criamos alguma paciência extra para o que está por vir, como se sentássemos no cinema para assistir a um filme cult. Death Stranding 2: On the Beach, sequência do game que se consagrou, pelo bem e pelo mal, como um jogo de andar para frente, não é diferente. Mas a continuação se esforça bastante — às vezes até demais — para tornar a experiência mais lisa.

Recapitulando: o primeiro Death Stranding também foi o primeiro jogo de Kojima após sua saída da Konami. Todo o drama, que começou com Metal Gear Solid V: Phantom Pain, e se estendeu para P.T. e Silent Hills, terminou com a desenvolvedora levando bons anos para reencontrar algum sucesso, e com o diretor tendo toda a liberdade para finalmente pirar em seus novos projetos.

Assim surge o primeiro jogo do gênero Strand de todos os tempos, ao menos nas palavras de Kojima. Esta categorização partiu do sistema de compartilhamento de mundos, similar à dos jogos da FromSoftware, mas mais ousada e em sintonia com o significado de uma história que pregava, entre muitas outras coisas, a importância das conexões para o ser humano.

Death Stranding 2 vem sendo divulgado com uma subversão desse ideal: será que deveríamos ter nos conectado?

A frase talvez anime aqueles que torcem o nariz pra “chatice” do primeiro jogo, mas já podemos tirar isso da frente. Death Stranding 2 é melhor, mais acessível e engajante que seu antecessor, mas você ainda vai ter que andar bastante se quiser chegar até o final da história.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

O enredo, mais uma vez, acompanha Sam Bridges (Norman Reedus). O entregador responsável por reconectar os Estados Unidos finalmente se encontra em paz. Sua afenfosfobia, condição que o fazia rejeitar o toque de outras pessoas, foi superada; Lou, a bebê que o acompanhou durante a travessia do primeiro game, está crescendo rápido. Mesmo que a dupla viva em isolamento, mal se encontrando com os amigos feitos por Sam em sua jornada, nosso protagonista parece contente.

Claro, esse estado de alegria dura pouquíssimos minutos, e logo nos vemos em uma nova missão para expandir a rede quiral – aquela que você passou o primeiro jogo inteiro construindo – até o México. Abrir muito mais do que isso sobre a narrativa inicial já seria um spoiler bem desagradável. Saiba apenas que é com esse pretexto que iniciamos uma nova saga de entregas e conexões.

A rede quiral é como se fosse a internet desse mundo pós-apocalíptico. Ao se conectar, é possível trocar informações de forma instantânea com todas as regiões ligadas a ela. Isso se traduz para o próprio rosto de cada destinatário das entregas, que só se torna visível após estabelecer a conexão. A noção de escala e poder dessa tecnologia, por sua vez, vem com as construções como geradores e teleféricos, impressos instantaneamente em locais cobertos pelo 5G do futuro.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Colocar uma nova área nessa rede é, quase sempre, levar alguma entrega para uma base de operações, onde Sam encontrará um novo personagem disposto a se conectar. Até chegar lá, é preciso passar por estradas de qualidade bem questionável e planejar meticulosamente suas longas caminhadas, e o loop central do gameplay segue firmado nisso. Tudo é muito familiar para quem jogou o primeiro game, mas há muito mais conveniências para tornar o processo menos tortuoso.

Ao receber cada missão, somos apresentados a um mapa que mostra os pontos de partida e chegada, e desde o primeiro momento há um incentivo para planejar a sua rota. Marcadores facilitam o trabalho de identificar e contornar regiões dominadas por inimigos ou montanhas muito íngremes.

Uma vez que a entrega começa, basta apertar L1 para ativar o Odradek, sensor que fica no ombro de Sam, para ser lembrado do trajeto. Segurar o mesmo botão liga uma câmera em primeira pessoa, que mostra a topografia do caminho até o próximo marcador, deixando o jogador sempre ciente do que está por vir.

Essa mecânica já estava presente no primeiro game, e assim como várias outras da sequência, sofreu alterações para ser mais utilizada. Avisos de rios a serem cruzados, risco de queda e bases inimigas aparecem instantaneamente ao desenhar sua rota, por exemplo.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

A mesma mentalidade funciona para a organização automática de cargas. Antes ela ficava quase escondida no menu de Start; agora, é possível usá-la através de um acesso rápido.

Outra adição bem-vinda é a árvore de habilidades, que afeta tanto o transporte de cargas quanto combate e a furtividade, e permite realocar os pontos da forma que o jogador julgar necessária para cada missão.

Ainda nas amenizações da jornada, os veículos têm uma oferta muito mais abundante. Mesmo desconsiderando o transporte, há exoesqueletos mecânicos, escadas, cordas, carregadores flutuantes e os CQPs, impressoras 3D portáteis que criam pontes, teleféricos, teletransportadores e muito mais.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Tendo esse mar de opções, é fácil encontrar uma forma de viajar que acaba sendo mais divertida para seu estilo de jogo. Por aqui, o aparente gosto de Kojima por skates foi o destaque, permitindo que Sam use tanto os carregadores flutuantes quanto caixas em formato de caixão para dar um rolê.

Já é bastante coisa, mas não acabou: praticamente todos os itens citados possuem upgrades desbloqueáveis, e vários só aparecem ao explorar algumas sidequests. Para ter acesso a tudo, basta usar o menu de Fabricação de uma base — que normalmente já está equipada com materiais suficientes para se virar muito bem.

Os recursos são mais limitados para fabricações no mundo aberto. As amadas estradas, os novos monotrilhos e também a construção de pontes maiores são um pouco mais complicadas, mas a colaboração entre os jogadores do servidor já deixa o cenário mais animador.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Antes dos servidores tragicamente caírem no último dia de gameplay, era raro não encontrar geradores elétricos para os meus veículos exatamente onde eu precisava deles, ou estradas que já estavam à beira de serem completadas. Inclusive, como o jogo estava povoado basicamente de jornalistas e criadores de conteúdo da América Latina, era divertido encontrar alguns nomes conhecidos enquanto eu me perguntava se as coisas não deveriam ser um pouco mais difíceis.

Com tudo isso esclarecido, uma pequena ironia: carregar as coisas de lá pra cá não era bem o problema do primeiro Death Stranding. O combate era frustrante em praticamente todas as situações, mas felizmente deu um salto muito positivo para o segundo game.

Lutar contra humanos chegava a ser burocrático. Caso um deles fosse morto, você precisava se livrar do corpo para evitar uma catástrofe ambiental. Contra os temidos BTs, que ainda podem aterrorizar uma entrega ou outra, a lentidão de Sam e a escala dos inimigos só trazia frustração.

Death Stranding 2

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Death Stranding 2 te encoraja muito mais na trocação franca de tiros. Com um sistema de stealth dificílimo, e perfeito para quem adora reclamar de inimigos que não enxergam um personagem obviamente visível, quase sempre é mais fácil e satisfatório iniciar um tiroteio.

Praticamente nenhuma arma do game é letal, e quase todas funcionam tanto contra humanos quanto BTs. Abusando dos recursos do DualSense, as batalhas são muito táteis e transmitem as diferenças entre uma escopeta e um rifle pelo controle.

O arsenal de Sam, por sinal, é muito vasto, e dá profundidade suficiente para que haja várias formas funcionais de se encarar um confronto, assim como um toque de loucura quando você se vê com uma espada neon nas mãos ou qualquer outra maluquice do tipo.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Ainda há ressalvas com a mobilidade de Sam, especialmente quando BTs inundam o cenário com alcatrão, a característica gosma preta. Aqui, entretanto, há uma compensação extremamente divertida, mas é melhor descobrí-la jogando. Trocar de armas também não é tão fácil quanto poderia, mas ainda é coerente com a mecânica central de cargas.

Talvez a maior questão seja a motivação dos inimigos humanos, que é até pincelada mas passa longe do nível de explicação que a história dá para praticamente todos os outros temas.

Death Stranding pode soar enigmático e precisar de algumas explicações após os créditos subirem em definitivo, mas não abre mão de diálogos bem expositivos para situar o jogador. O segundo game dobra a aposta no tom professoral, e ainda que seja bom ter certeza de tudo que está rolando ao seu redor, ainda há casos em que a melhor forma de se passar uma mensagem é o silêncio.

Death Stranding 2

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Em On The Beach, a jornada de Sam é bem menos solitária, e isso se traduz tanto para uma personalidade mais animadora do protagonista, que largou quase todos os trejeitos antissociais do primeiro jogo, mas também para uma convivência maior com alguns personagens que parecem ter saído diretamente de um filme de Christopher Nolan.

Fragile (Léa Seydoux), Heartman (Nicolas Winding Refn) e Deadman (Guillermo del Toro) são alguns dos nomes familiares que mais interagimos durante a campanha, mas há também a introdução de novos rostos: Tarman (George Miller), Dollman (Faith Akin), Rainy (Shioli Kutsuna) e Tomorrow (Elle Fanning) completam a família desajustada a bordo da DHV Magellan, uma embarcação capaz de navegar pelos mares subterrâneos de alcatrão — e que obviamente nunca está em condições de se mover quando você mais precisa dela. Malditas conveniências de roteiro.

A tripulação rende os momentos mais emocionantes do jogo, com atuações magistrais lideradas por Léa Seydoux, que entrega uma autenticidade raríssima de se ver nos games.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Em outros pontos da história, o Higgs de Troy Baker está excelente mais uma vez, provocando tanto Sam quanto o espectador em qualquer oportunidade, com eventuais quebras de quarta parede. Como o personagem está de volta e quais as suas motivações são perguntas cujas respostas serão mais aproveitadas durante o jogo, mas saiba apenas que seu retorno é triunfal.

Com outro tom, o Neil de Luca Marinelli, carrega o olhar mais marcante da aventura, e funciona quase como uma antítese do que o jogo aos poucos se torna. Neil diz muito com seu silêncio, dando um respiro ao jogador sempre que aparece na tela — mesmo com suas sequências quase sempre envolvendo tiroteios.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Ainda que os personagens sejam complexos e bem interpretados, praticamente todos colaboram para que o jogador sinta que tudo está explicadinho demais. Nesse ponto, Dollman é o grande problema. O bonequinho é um fofo em suas interações com Sam, mas ele também fala sobre absolutamente tudo para o protagonista como se ele tivesse 12 anos de idade.

Isso abrange cutscenes com livros, nas quais Kojima decide, sabe-se lá por que, destrinchar todas as alegorias que colocou em seu jogo, e até a própria gameplay, já que Dollman fica preso ao quadril de Sam e comenta sobre o que está acontecendo ao redor. Nada como já ter destruído três pontos fracos de um chefão e ainda assim ter que ouvir: “Olha lá, aqueles pontos vermelhos são a fraqueza dele, hein?”.

Essa tônica acompanha toda a campanha, que dura aproximadamente 30 horas ao focar majoritariamente nas missões principais, e dilui o impacto do game em quase todos os âmbitos.

Death Stranding 2

Omelete

A história é mais compreensível, mas os plot twists não surpreendem tanto. O transporte é mais fácil, mas a catarse da trilha sonora ao avistar seu objetivo diminui. As mensagens e críticas políticas são mais explícitas, mas perdem a força pela obviedade.

Mesmo com esse jogo de perde e ganha, Death Stranding 2 não deixa de ser uma experiência incrível. Uma narrativa que, mesmo mastigada, engaja bem mais com um ritmo infinitamente melhor do que o do primeiro game. Nenhum dos capítulos chega perto de ser exaustivo como o terceiro do antecessor, e a sensação de progresso em meio às entregas obrigatórias é bem mais palpável, assim como a recompensa ao se desviar delas para uma ou outra side quest.

O senso de humor e a criatividade de Kojima são catalisadores para tudo isso: sem medo de se entregar ao ridículo, ou de executar algumas ideias simplesmente por elas parecerem divertidas, o diretor faz jus ao pedestal em que é colocado. Sua pretensão e seus conceitos mirabolantes até podem saturar alguns, mas é ótimo que, mesmo com tanto tempo de carreira, ele ainda tenha combustível para se divertir.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Claro, isso não é feito sem olhar para o seu próprio passado e também para o mundo que o cerca. Os acenos à sua carreira vão além da faixa na testa de Neil, e há muitas outras obras referenciadas de forma tão direta que chega a ser cômica.

A fórmula também funciona pelo visual. Os enquadramentos cinematográficos, como é de se esperar do maior cinéfilo da indústria, são rotineiros, mas se aprofundam com planos que apenas uma animação 3D poderia entregar.

Higgs é o maior beneficiado disso. Afinal, é maravilhoso colocar um dos atores mais talentosos da indústria para reprisar seu papel, dessa vez com um visual ainda mais maluco e munido de uma guitarra que dispara raios. Baker usa cada gota dessa loucura a seu favor, e é natural que a presença do personagem em tela fuja bastante do padrão.

Os gráficos são um show à parte, e somente a sequência de abertura já seria suficiente para convencer qualquer um disso. Por sinal, a paisagem repete seu destaque em um jogo que ainda é bastante introspectivo. Entre biomas mais verdejantes, desertos com tempestades de areia, e as temíveis e chatíssimas montanhas de neve, sempre há algo para se admirar ao redor.

Death Stranding 2

Divulgação/Sony

Death Stranding 2: On the Beach é inegavelmente melhor que seu antecessor, e, assim como o primeiro jogo, dá uma visão futurística para problemas atuais. Dessa vez, com muito mais obviedade — mas talvez seja até bom garantir que todo mundo entendeu o recado.

Fonte: Omelete

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