
Por FRANCISCO EDSON ALVES, O Dia
Documentos obtidos com exclusividade pelo DIA comprovam que a Vale fora alertada para o “sistema obsoleto” de prevenção que mantinha para detectar possíveis problemas na barragem da Mina do Feijão, com pelo menos um ano e três meses de antecedência da tragédia, ocorrida no dia 25 de janeiro, mas ignorou o assunto. Até ontem, o desabamento da barragem já tinha 167 mortes confirmadas e ao menos 182 pessoas desaparecidas.
Hamilton Luiz Silva, de 46 anos, sócio e diretor de Negócios da Minipa Sense – empresa que trabalha com sistemas de alarmes e sensoriamento por fibra óptica -, atesta que representantes da Vale participaram do 4º Simpósio sobre Segurança de Barragens e Riscos Associados, nos dias 26 e 27 de novembro de 2015, em Porto Alegre. Na época, Hamilton foi um dos palestrantes, demonstrando a eficácia do sistema óptico na prevenção de catástrofes para engenheiros do setor de barragens, incluindo os da Vale.
“Logo que ocorreu a tragédia de Mariana no início de novembro de 2015 não esperamos ser contatados pelas empresas que operam barragens. Fomos proativos, na tentativa de ajudar a prevenir outra tragédia no Brasil. Procuramos o Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB) para expor nossa preocupação e falar da tecnologia moderna que já desenvolvíamos e dispúnhamos”, relembra Hamilton, explicando que os piezometros (aparelhos que medem pressões e líquidos) usados nas barragens, são elétricos, e completamente expostos a problemas. “Quando cai um raio ou tem variação de energia, queima tudo. Por isso inventamos o dispositivo óptico, imune a interferências eletromagnéticas, que não queimam e nem estão sujeito a manipulações humanas”, comenta.
O empresário conta que ele e os sócios estiveram várias vezes no Ministério de Minas e Energia (MME) para reuniões técnicas ao longo de 2017. “Apresentamos nossa solução de monitoramento em tempo real para o então secretário Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério de Minas e Energia (MME) Vicente Lobo e toda sua área técnica, inclusive para direção do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Infelizmente, as várias reuniões não resultaram em nada”, lamenta. A pasta atualmente é ocupada por Alexandre Vidigal.
Hamilton se diz inconformado, ao ouvir no noticiário, representantes da Vale alegando que não sabiam dos riscos. “Chega a doer o peito, pois, por conta de uma economia porca, não investiram em segurança adequada para a barragem acidentada. Deu no que deu”, desabafa, sem esconder a indignação, garantindo que os gastos da Vale com investimentos em alta tecnologia para o monitoramento de toda a extensão da barragem, em tempo real por fibra óptica, seria “irrisório, insignificante, diante do ocorrido”.
A reportagem não conseguiu contato com ex-funcionários do MME, inclusive os exonerados, que tiveram conhecimento da necessidade de se modernizar os sistemas de monitoramento de barragens, entre eles, Vicente Lobo. A Vale também não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Sensores emitem alerta prévio
O executivo garante que se as barragens de Mariana e Brumadinho estivessem devidamente sensorizadas com tecnologia de ponta, a tragédia humana não teria ocorrido. “A barragem de Mariana, por exemplo, três horas antes do rompimento definitivo emitiu um tremor de terra que não foi captado pelo sistema existente na época e, por conseguinte, não disparou alarme para a evacuação das pessoas. Em três horas, daria para salvar as 19 vítimas fatais”, relembra. Ele explica que barragens são consideradas uma espécie de “organismos vivos, que todos os dias emitem sinais, devido ao empuxo da água ou lama contra as paredes”.
“Se a barragem estiver sensorizada com equipamentos capazes de captar, filtrar e emitir sinais em tempo real, é possível emitir alarme prévio via SMS ou e-mail para a equipe operacional ou a população próxima. E, simultaneamente, acionar um sistema de alarme de sirenes ao longo da barragem muito antes do seu rompimento”, diz.
Grupo pediu mudança em portaria
O grupo Minipa Sense também chegou a sugerir alteração na Portaria 416-2012, que trata do Plano de Segurança de Barragens de Mineração, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Na ocasião, conforme e-mail recebido pela equipe de Segurança de Barragens, a empresa sugeriu 13 mudanças na portaria, mas também foram ignoradas pelo órgão governamental.
“Entre as mudanças sugeridas estava a obrigação da adoção de alta tecnologia por todas as operadoras de barragens, com monitoramento em tempo real, automático, e não manual e visual, apenas. também sugerimos a distribuição de informações automaticamente aos órgãos de Defesa Civil, Bombeiros e de fiscalização”, informa ao DIA.
“Hoje, funcionários das próprias mineradoras inserem dados no sistema. Isso pode desencadear manipulação de dados no sistema para, por exemplo, evitar multas por possível detecção de algum problema”, adverte o executivo.