Food trucks denunciam cobrança de propina na Administração de Brasília

Por Manoela Alcântara-Michael Melo/Metrópoles 

 Nem a deflagração das operações Lava Jato e Drácon foram capazes de intimidar ou evitar casos de corrupção no Distrito Federal. O uso do serviço público para obter vantagens indevidas parece estar enraizado na cultura de quem assume um cargo para servir a população. Desta vez, a suspeita recai sobre funcionários da Administração Regional do Plano Piloto, que estariam extorquindo empresários para liberar alvarás na região central de Brasília. Uma sindicância está em andamento no órgão.

O dinheiro estaria sendo cobrado de donos de food trucks, feirantes, organizadores de eventos e de corridas de rua. Durante três meses, a reportagem do Metrópoles acompanhou a revolta de quem precisa pagar para trabalhar em um espaço público. Do outro lado, quem não desembolsa os valores encontra dificuldades para realizar eventos na capital da República.

Foram ouvidas 10 pessoas, entre empresários e organizadores de eventos. Todos confirmaram o esquema, mas pediram para as identidades serem mantidas sob sigilo por medo de sofrer retaliações. Essas pessoas dizem que, em alguns casos, a propina é paga mensalmente e entregue em dinheiro vivo a dois operadores da administração.

Segundo os denunciantes, eles estipulam um valor para que determinado empresário esteja sempre na lista de quem pode receber um alvará. Ou seja, além de arcar com todas as taxas formais, é necessário manter um custo a mais com a propina.

 Alvarás como barganha

Além disso, os documentos públicos são supostamente usados como objeto de barganha. Em um dos casos relatados à reportagem, uma pessoa tentava realizar um evento em um espaço concorrido no Plano Piloto. Ela diz que, para conseguir os alvarás, teve de organizar alguns eventos de food trucks em um local de grande movimentação nos fins de semana a fim de arrecadar propina.

A pessoa foi orientada a recolher R$ 250 de cada dono dos carros de comida para pagar a estrutura com banheiros, música e gerador. O que sobrava era supostamente repassado aos operadores.

Nesse caso específico, os donos de food truck não sabiam da propina, pois essa taxa é comum, uma vez que, para conseguir um alvará, é necessário ter a autorização da Agência de Fiscalização (Agefis), do Corpo de Bombeiros e pagar pelo uso de área pública, além de obedecer outros trâmites.

Um organizador fica responsável por todo o trabalho e recolhe dinheiro para pagar esses custos. O problema é que os operadores cobravam dele valores sobre essa taxa recolhida.

Em uma conta simples, se tiverem 16 food trucks em um encontro e cada um pagasse R$ 250, seriam arrecadados R$ 4 mil. Sobrava, geralmente, entre R$ 800 e R$ 2 mil, dependendo da ocasião e dos serviços contratados. Esses valores eram repassados para o bolso dos acusados, ainda de acordo com a denúncia.

Outra prática apontada pelos denunciantes é que os supostos operadores pediam entradas para entrar gratuitamente em eventos pagos. Um deles chegou a exigir que um empresário bancasse uma festa regada a cerveja.

Um dos homens denunciados é Gilmar Moreira da Rocha, que atuava como coordenador de Desenvolvimento da Administração do Plano Piloto. Ele era considerado homem de confiança do administrador, Marcos Pacco (PSB).

Além de Gilmar, Bruno Sena Rodrigues, coordenador da Administração Geral, também é citado pelos denunciantes como um dos que recebiam a suposta propina. A justificativa dos acusados era de que precisavam arrecadar verba para a campanha de 2018, mas não citavam quem seria favorecido.

 Exoneração

Em janeiro deste ano, a denúncia de que haveria cobrança de propina na administração chegou aos ouvidos de Rodrigo Rollemberg (PSB). Depois de uma reunião com feirantes no órgão, um deles teria informado ao governador sobre o que estava acontecendo.

Segundo fontes próximas a Rollemberg, o chefe do Executivo pediu que Marcos Pacco exonerasse Gilmar Moreira. O ato foi publicado no Diário Oficial do DF em 17 de janeiro de 2017. Para o lugar de Gilmar, foi nomeada Suely da Rocha Santos, que já trabalhava na diretoria de Articulação da Administração do Plano Piloto.

Reprodução Diário Oficial do DF

 Prejudicados

Uma produtora de eventos na capital relata a dificuldade para conseguir um alvará para fazer eventos na área central. Ela começou a trabalhar com food trucks há três anos. “No começo da moda de food truck, só eu organizava eventos desse tipo. Era novidade. Eles aconteciam mais espaçados e a gente conseguia liberação. Com o tempo, apenas alguns nomes começaram a receber alvarás”, afirmou.

O movimento de food trucks nas ruas começou em 2014. Passados três anos, são cerca de 200 na capital. “Na 206 Norte, eu fazia uma vez por mês lá. Na Praça do Cruzeiro, só consegui alvará uma vez. Eles dizem que precisam fazer um cronograma. Fecham com organizadores para o mês inteiro e não há espaço para os outros. Nunca consegui uma licença mensal. É semanal. Cada evento é um processo”, afirmou a mulher. “Informaram-me que foi feito um sorteio e que eu não tinha entrado para este ano”, lamentou.

A dificuldade é relatada também por um dono de food truck. “Todas as vezes que relatava que o preço estava muito alto, um grupo fechado dizia que, se eu não quisesse participar, podia sair porque tinha muita gente na fila querendo. Deixei de fazer eventos no Plano Piloto por isso”, afirmou o homem, que também preferiu não se identificar com medo de sofrer represálias.

 Sindicância

Por meio de nota, a Administração Regional do Plano Piloto garantiu não ter recebido qualquer denúncia formal a respeito do suposto esquema de propina no órgão. Entretanto, ressaltou que, no fim de dezembro de 2016, decidiu “adotar medidas administrativas dentro das suas ações de aprimoramento, entre elas, diligências nos processos de licenciamento e, posteriormente, a abertura de processo de sindicância”.

Segundo a Administração Regional do Plano Piloto, as exonerações publicadas no Diário Oficial do DF, incluindo a de Gilmar, “visaram atender a necessidade de melhoria dos procedimentos internos e não são consequência de verificação de irregularidades, pois ainda não foram concluídos os trabalhos da comissão de sindicância”.

 

A administração destacou ainda que o servidor Bruno Sena Rodrigues, coordenador de Administração Geral do órgão, não tem qualquer interferência no setor de licenciamentos. “A administração reafirma que não compactua com qualquer ato ilícito e que tem sido reconhecida pela comunidade por ações de transparência e legalidade. Eventuais denúncias serão apuradas com o devido processo legal”, concluiu.  O Metrópoles tentou falar com os dois acusados, Gilmar e Bruno, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

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