Vladimir Putin e Donald Trump em Hamburgo • 7/7/2017 REUTERS/Carlos Barria

Análise: Putin quer se encontrar com Trump, mas não para negociar a paz

Presidente russo vê oportunidade única para redefinir relações com os EUA e discutir possibilidades de cooperação econômica, tecnológica e espacial

É improvável que o Alasca tenha sido cogitado por muitos como o local de uma cúpula crucial entre os líderes dos Estados Unidos e da Rússia. No entanto, o maior e mais remoto estado dos EUA é onde os presidentes Donald Trump e Vladimir Putin se encontrarão para um dos encontros potencialmente mais importantes de seus mandatos.

Essa é certamente a visão de Moscou, onde os propagandistas pró-Kremlin já estão entusiasmados com os benefícios que essa tão aguardada reunião presencial trará. Ou, mais especificamente, que sirva de algo para Putin.

Em primeiro lugar, o fato de uma cúpula com o presidente dos EUA estar sendo realizada já é uma grande vitória para o Kremlin.Play Video

“Ninguém mais fala sobre o isolamento internacional da Rússia, ou sobre nossa derrota estratégica”, escreveu Alexander Kots, um notável blogueiro militar pró-Kremlin em seu canal nas redes sociais. Kots acrescentou que a reunião no Alasca tinha “todas as chances de se tornar histórica”.

Ele pode estar certo. Uma cúpula presidencial permite que Putin seja visto de volta à mesa principal da diplomacia internacional, enquanto faz pouco caso de críticos e nações que querem que ele seja rejeitado, senão preso, por acusações de crimes de guerra na Ucrânia.

E uma cúpula no estado americano do Alasca, de todos os lugares, é um prato cheio para os nacionalistas russos ressurgentes que ainda se gabam de que o território é deles por direito.

Questões territoriais

Do outro lado do Estreito de Bering, em frente à região de Chukotka, no Extremo Oriente russo, o Alasca já foi um território remoto do Império Russo antes de ser vendido aos Estados Unidos em 1867 por US$ 7,2 milhões, cerca de 2 centavos de dólar por acre.

A ideia de que Moscou recebeu um tratamento injusto ainda persiste, e uma visita ao “nosso Alasca”, como apelidou um apresentador de TV russo, reforça as credenciais nacionalistas de Putin.

Vídeos de Trump falando mal em uma entrevista coletiva na Casa Branca antes da cúpula, dizendo que estava indo para a “Rússia” para se encontrar com Putin, também se tornaram assuntos muito comentados nas redes sociais russas, com legendas dizendo que o presidente dos EUA finalmente “admitiu que é nosso”.

Para o resto do mundo, porém, o único foco desta cúpula presidencial é a guerra na Ucrânia e se a Rússia está preparada para fazer alguma concessão para encerrá-la.

A Casa Branca afirmou que Trump espera se concentrar exclusivamente em encerrar a guerra na Ucrânia, deixando outras questões que Moscou, segundo ele, poderiam ser discutidas em outra ocasião.

Acordo de paz é prioridade para Trump

Na quarta-feira (13), Trump prometeu “consequências muito severas” caso Putin não concorde em encerrar a guerra, após uma ligação telefônica com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e líderes europeus.

Mas até o momento houve poucos sinais de um compromisso real por parte do Kremlin, que se considera em posição de vantagem no árduo campo de batalha ucraniano.

No mês passado, em uma ligação telefônica com Trump, Putin teria reiterado que a Rússia “continuaria a perseguir seus objetivos para abordar as causas profundas” do conflito na Ucrânia – essas “causas profundas” já incluíam antigas queixas russas, como a existência da Ucrânia como um Estado soberano e a expansão da OTAN para o leste desde o fim da Guerra Fria.

Na quarta-feira (13), um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que a posição do país em relação à Ucrânia permaneceu “inalterada”, informou a mídia estatal.

É mais provável que Putin esteja tramando algo diferente.

Detalhes surgiram de uma oferta de paz russa supostamente feita ao enviado dos EUA, Steve Witkoff, antes da cúpula do Alasca ser organizada às pressas.

Em essência, as propostas envolvem a rendição de territórios por Kiev na região de Donbass, no leste da Ucrânia, em troca de um cessar-fogo, uma ideia que a liderança ucraniana descartou firmemente.

“Não vou entregar meu país porque não tenho o direito de fazê-lo”, disse Zelensky antes da cúpula, para a qual não foi convidado. “Se deixarmos Donbass hoje, nossas fortificações, nosso terreno, as colinas que controlamos, claramente abriremos uma cabeça de ponte para a preparação de uma ofensiva russa.”

Mas Trump, que deve discutir a ideia com Putin no Alasca, parece gostar do som de um acordo de terra por paz, mesmo que seja tão desagradável para a Ucrânia e seus parceiros europeus.

Putin planeja discutir outros assuntos

Essa clara diferença de opinião representa uma oportunidade para Putin retratar os ucranianos e os europeus – e não a Rússia – como o verdadeiro obstáculo à paz, potencialmente minando o já frágil apoio de Trump ao esforço de guerra ucraniano.

Trump já perdeu a paciência com Zelensky antes, o Kremlin deve ter notado, e pode perder novamente. Se ele cortasse o restante da ajuda militar americana e o compartilhamento de inteligência com Kiev, a Ucrânia teria dificuldades para continuar sua luta, mesmo com o apoio europeu reforçado.

Antes da cúpula, a Casa Branca pareceu minimizar as expectativas de um acordo de paz, caracterizando a reunião de alto risco como um “exercício de escuta”. Isso pode ser ótimo para Putin.

Afinal, foi o Kremlin quem solicitou a cúpula, segundo a Casa Branca – possivelmente como forma de evitar a ameaça de tarifas e sanções secundárias dos EUA que Trump disse que entrariam em vigor na semana passada.

Manter Trump falando pode ser uma maneira eficaz de adiar esse prazo indefinidamente. Em comentários feitos nesta quinta-feira (14), Putin sugeriu a ideia de chegar a um acordo sobre armas nucleares com Trump.

De forma mais ampla, Putin vê uma oportunidade única com Trump para redefinir fundamentalmente as relações com Washington e separar os laços da Rússia com os EUA do destino da Ucrânia, um cenário que também dividiria os aliados ocidentais.

Há meses, autoridades do Kremlin vêm discutindo possibilidades de cooperação econômica, tecnológica e espacial com os EUA, bem como acordos lucrativos em infraestrutura e energia no Ártico e em outros lugares.

O fato de o principal enviado econômico do Kremlin, Kirill Dmitriev – um interlocutor-chave do governo Trump – fazer parte da delegação russa no Alasca sugere que mais discussões sobre acordos entre EUA e Rússia estarão na pauta.

E, se Putin conseguir o que quer nesta cúpula, a “questão ucraniana” pode acabar relegada a apenas um dos muitos pontos de discussão entre os poderosos líderes de duas grandes potências – e nem mesmo o mais urgente.

Fonte: CNN Brasil

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