Mais de 32 milhões de argentinos foram neste domingo às urnas para eleger um novo presidente e renovar parte do Congresso. E, com quase 90% das urnas apuradas, o candidato peronista Alberto Fernández garantiu a vitória no primeiro turno, com 47,73% dos votos. O atual presidente, Mauricio Macri, tinha 40,78% àquela altura, bem mais do que os 33% que havia recebido nas eleições primárias. Apesar da recuperação de Macri, a diferença é suficiente para para eleger Fernández sem um tira-teima entre os dois em um segundo turno.
“Eu quero lhe dizer de verdade: isso está apenas começando. Estaremos lá para defender os valores em que acreditamos”, disse Macri aos seus correligionários depois de reconhecer sua derrota e parabenizar Alberto Fernández.
Na Argentina, para vencer as eleições em primeiro turno, é necessário obter 45% dos votos ou 40% e dez pontos de vantagem em relação ao segundo colocado.
Mauricio Macri, que assumiu em 2015, deixa um país com uma grave crise econômica e social; com inflação este ano prevista para 55%; 30% das pessoas vivendo na pobreza e os sem-teto representando quase 10% da população.
Além de presidente e vice-presidente, serão eleitos 130 deputados e 24 senadores. Também serão escolhidos governadores das províncias de Buenos Aires, Catamarca e La Rioja, além de prefeitos de várias cidades. O novo governante assume dia 10 de dezembro. O mandato presidencial é de 4 anos e é permitida apenas uma reeleição.
Conheça Alberto Fernández, presidente eleito da Argentina
Por Felipe Gutierrez, G1
Alberto Fernández foi uma surpresa na campanha eleitoral argentina, ao assumir a cabeça da chapa à frente de Cristina Kirchner. Peronista moderado e pragmático, o professor de direito da Universidade de Buenos Aires foi alavancado por Cristina, e teve também o apoio de um núcleo de conselheiros, o Grupo Callao (referência ao endereço onde eles se reúnem, na Avenida Callao, em Buenos Aires).
No começo dos anos 2000, o próprio Fernández participou de um conjunto semelhante, o Grupo Calafate, que ajudou a levar Néstor Kirchner à presidência.
Ter sido um conselheiro e funcionário de Kirchner foi determinante para, décadas mais tarde, Fernández chegar ao poder.
Conheça o histórico de Alberto Fernández
Os dois foram apresentados por um amigo em comum, Eduardo Valdés. “No fim dos anos 1990, eu trabalhava com Néstor Kirchner, que na época era governador de Santa Cruz. Cristina Kirchner era senadora por esse estado”, conta Valdés.
Fernández e Valdés se conheceram na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, onde os dois estudaram nos anos 1970. “Ele era estagiário na Justiça Criminal, e eu, na Justiça do Trabalho. Nós dois também jogávamos futebol no circuito universitário, ele era goleiro, e eu, camisa 5, volante.”
Os dois ainda eram militantes políticos e, já nos anos 1980, Fernández trabalhou para o governo –teve um cargo técnico durante a presidência de Raúl Alfonsín, o primeiro eleito depois da ditadura militar argentina, e no de Carlos Menem, um peronista de direita.
No ano 2000, Fernández foi eleito vereador de Buenos Aires. Nessa época, ele publicou um artigo em um jornal –Néstor leu o texto e ficou interessado em conhecer o autor.
“Foi Néstor que me pediu para apresentá-lo. Eu marquei em um restaurante. Depois de 20 minutos de encontro, os dois pareciam se conhecer fazia tempo”, relata Valdés.
Alberto Fernández, um político com conexões no centro do poder na Argentina, apresentou o casal Kirchner, que vinham de uma província pequena, a dirigentes influentes do país.
Foi então que se formou o Grupo Calafate.
Kirchners na Casa Rosada
“[Eduardo] Duhalde estava na presidência e decidiu apoiar um governador peronista de esquerda para ser o candidato. Ele estava na dúvida entre Néstor e Juan Manuel de la Sota, de Córdoba, mas estava mais propenso a nomear De la Sota. Foi Alberto que convenceu Duhalde a lançar o nome de Néstor, que se elegeu em 2003”, relata Valdés.
Fernández virou chefe de campanha e, quando Kirchner chegou à presidência, ele deixou o cargo de legislador municipal e passou a ocupar a chefia de gabinete de ministros –ou seja, o segundo do governo federal.
De acordo com relatos de pessoas que conheceram o governo de Néstor, o ministro da Economia, Roberto Lavagna, e Fernández não tinham um bom relacionamento. O interlocutor dos dois era Guillermo Nielsen, que é cotado para assumir o cargo com a eleição de Alberto Fernandez.
Lavagna foi um dos candidatos que Fernández derrotou nas eleições de 2019. O agora presidente eleito também era tido como a pessoa que dialogava com um dos maiores oponentes dos Kirchner: o jornal “Clarín”.
Néstor não concorreu à reeleição em 2007. Ele indicou a mulher, Cristina, ao cargo. Ela venceu, e Alberto Fernández seguiu como chefe de gabinete.
Ele saiu em 2008, enquanto tramitava uma das medidas mais polêmicas do seu primeiro governo, a regra que dificultou a exportação de produtos agrícolas.
“Néstor e Cristina tinham uma interpretação distinta, e a minha vocação para revisar as decisões e fazer autocríticas os irritava, assim como a minha insistência em mudar o elenco do governo e na forma de encarar o debate público”, escreveu Fernández em seu livro “Politicamente Incorreto. Razões e Paixões de Néstor Kirchner”, publicado em 2011, um ano depois da morte do ex-presidente.
No último debate presidencial das eleições de 2019, um dos candidatos perguntou a Alberto se ele não viu nenhum ato de corrupção durante os governos de Kirchner. “Quando tive diferenças, eu renunciei e fui para casa”, ele respondeu.
Qual Fernández?
Depois de ir para casa, Alberto virou um crítico de Cristina. Ele escreveu um artigo em que dizia que os órgãos do governo estavam publicando dados falsos sobre a pobreza na Argentina e foi contra a restrição a compras de dólar, ambas medidas tomadas pela atual companheira de chapa de Fernández.
Ele trabalhou com outros políticos desde que saiu do governo. Ele trabalhou com outros peronistas que egressos do governo Cristina que haviam se desentendido com a presidente, como Sérgio Massa e Florencio Randazzo.
De acordo com pessoas que o conhecem, Alberto foi notificado por Cristina que ele seria o candidato a presidente e que ela seria a vice.
Mais do que aumentar o apelo eleitoral da chapa, a ideia era atrair parte desses dirigentes peronistas que haviam se afastado do kirchnerismo. Deu certo: Sergio Massa, que havia sido o terceiro colocado nas eleições presidenciais de 2015, é candidato a deputado federal pela coligação de Alberto e Cristina.
Por outro lado, Fernández nunca teve grande capital político próprio, e a nomeação dele como líder da chapa provocou questionamentos se ele não seria um “poste’ de Cristina.
Durante a campanha, ele tem respondido que será ele o presidente, e não Cristina. Em entrevista ao “La Nación” em julho, afirmou que não interferiu na lista de deputados da coligação e que ninguém vai interferir nas suas escolhas de ministros.
Ainda assim, virou uma anedota na Argentina perguntar qual Fernández terá o poder de fato –o nome completo da nova vice-presidente é Cristina Fernández de Kirchner (ela e Alberto não tem nenhuma relação familiar).
Vida pessoal
Alberto é torcedor do Argentino Juniors, o clube que revelou Diego Maradona. Ele é fã de poesia, toca violão e é fã de rock dos anos 1960, como Beatles, Joan Baez e Bob Dylan –o cachorro dele, um collie, chama-se Dylan (o animal tem contas em redes sociais).
O novo presidente tem 60 anos e namora uma mulher de 38, Fabiola Yanez.
Ele tem um filho adulto, Estanislao Fernández, de um relacionamento anterior, que se apresenta como drag queen em festas em Buenos Aires com o nome Dyhzy.