
Monica T Maia
Morei na Amazônia 20 anos. Sai de lá para ser repórter de Meio Ambiente do jornal Estado de São Paulo e continuei indo continuamente. Conheço todos os estados da região – das montanhas brilhantes de Roraima, ao mar do Amapá, passando por toda maior floresta do planeta, por sua fantástica biodiversidade (ah, ouvir o canto de um rouxinol…), por terras indígenas (dos Yanomami aos Kayapó), por garimpos, por desmatamentos, por queimadas de todo o gênero. Passei incólume por mosquitos da malária. Vi de tudo: desde casa de estrangeiros telada e com equipamentos de radar numa longínqua aldeia indígena na fronteira, à pistas de pouso precárias e clandestinas, onde os aviões tinham que ser amarrados às árvores para ganharem força para voar, passando por madeireiros inescrupulosos, empresas de fachada, onças aparentemente assustadoras.
Baseada em conversas, na última semana, com especialistas sérios, que prezam o rigor científico, destaco:
- Não é verdade que a função principal da Floresta Amazônica é gerar oxigênio para o planeta, como estão dizendo o presidente da França, Emmanuel Macron, ou o secretário-geral da ONU, António Guterres (que entrevistei várias vezes quando era primeiro-ministro de Portugal.). Quem gera oxigênio para o planeta são os mares (os fitoplânctons). O oxigênio que a Floresta Amazônica gera é consumido praticamente todo pelo próprio bioma.
2. É muito mais do que isso. As funções principais da Floresta Amazônica são:
* A dos ‘Rios Voadores’ – A Floresta Amazônica produz sua própria chuva, sua própria umidade, e toda a água reciclada lá segue com o vento em forma de vapor d’água para a área mais rica da América do Sul, responsável por 70% do PIB do continente. Essa área é um quadrilátero delimitado por Cuiabá, São Paulo, Buenos Aires, Cordilheira dos Andes, que seria um completo deserto se não fosse irrigada pela Floresta Amazônica.
* A de Capturar Carbono – A Floresta Amazônica armazena uma quantidade absurda de carbono, o equivalente a 100 anos de emissões de CO2 dos Estados Unidos. Se tudo for queimado, virando gás carbônico, toda a Terra será destruída.
* A de Protetora da Maior Biodiversidade Planetária – Em pé, a Floresta protege a infinidade de riquezas ainda não pesquisadas. Imaginem a quantidade de medicamentos, que podem salvar milhões de vidas, que ainda não foram descobertos ou explorados?
A FLORESTA AMAZÔNICA É O CELEIRO DE ÁGUA DO CONTINENTE SUL-AMERICANO, É O CELEIRO DE TODO O EQUILÍBRIO CLIMÁTICO DO PLANETA INTEIRO.
SEM A FLORESTA AMAZÔNICA NÃO EXISTIRÁ MAIS AGRICULTURA NEM LÁ, NEM NAS REGIÕES SUL, SUDESTE E CENTRO-OESTE DO NOSSO PAÍS.
3. Também não é verdade que o índice de desmatamentos/queimadas é o pior de toda a História. Veja o quadro abaixo, com o índice das últimas duas décadas, ano a ano, levando em conta que grande parte das queimadas é em áreas de novos desmatamentos:

Observa-se que o período do maior número de desmatamentos/queimadas foi de 2003 a 2006, depois houve queda de significativos 70%. Só que comparando-se os dados de junho de 2018 com junho de 2019, observa-se um crescimento de 88%. E o problema é que o período da seca mal começou e irá até outubro pelo menos.
OS PROGNÓSTICOS CIENTÍFICOS É QUE SE ESSES DESMATAMENTOS/QUEIMADAS NÃO FOREM FREADOS AGORA, CHEGAREMOS EM 2019 AO ÍNDICE DE 2010, O MAIOR DA ÚLTIMA DÉCADA, E SÓ MENOR DO QUE OS NÚMEROS DE 2004/5, OS PIORES DA HISTÓRIA.
4. Também não é verdade que a fumaça preta de São Paulo é inteiramente resultado da fuligem das queimadas na Amazônia. O entendimento científico mais respeitado é que parte dessa fuligem é originária sim da Amazônia, tomando o mesmo caminho que os dos ‘Rios Voadores’ que irrigam o centro da América do Sul. E parte é originária do Oceano Pacífico, das queimadas na Bolívia, e um pouco menos das queimadas no Peru. A fumaça preta apareceria mais em São Paulo porque a cidade já tem sua cota própria de fumaça preta.
O ALERTA É QUE É O MESMO CAMINHO DOS ‘RIOS VOADORES’: ELES LEVAM VAPOR D’ÁGUA PARA IRRIGAR E TORNAR PRÓSPERA BOA PARTE DA AMÉRICA DO SUL, ENQUANTO OS DESMATAMENTOS/QUEIMADAS LEVAM A FUMAÇA SECA, A POLUIÇÃO DO AR E O PROGNÓSTICO DE UM FUTURO SOMBRIO.
Para o pior não acontecer, é preciso falar sobre o assunto com seriedade. No Brasil, e em todo o planeta, precisamos, mais do que nunca, de serenidade e Ciência para construirmos uma verdadeira civilização.