O que diz a ciência sobre as queimadas na Amazônia

 

Foto: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio

Monica T Maia 

Morei na Amazônia 20 anos. Sai de lá para ser repórter de Meio Ambiente do jornal Estado de São Paulo e continuei indo continuamente. Conheço todos os estados da região – das montanhas brilhantes de Roraima, ao mar do Amapá, passando por toda maior floresta do planeta, por sua fantástica biodiversidade (ah, ouvir o canto de um rouxinol…), por terras indígenas (dos Yanomami aos Kayapó), por garimpos, por desmatamentos, por queimadas de todo o gênero. Passei incólume por mosquitos da malária. Vi de tudo: desde casa de estrangeiros telada e com equipamentos de radar numa longínqua aldeia indígena na fronteira, à pistas de pouso precárias e clandestinas, onde os aviões tinham que ser amarrados às árvores para ganharem força para voar, passando por madeireiros inescrupulosos, empresas de fachada, onças aparentemente assustadoras.

Independentemente dos governos, a Amazônia é alvo de três tipos de interesse: 1) do grande lucro sem qualquer cuidado ambiental; 2) do cuidado ambiental com algum interesse no futuro do planeta, mas também com interesse específico de alguma instituição, de algum grupo ou nação por motivos variados, inclusive para exploração mineral; e 3) do criterioso e verdadeiramente científico cuidado ambiental, genuinamente preocupado só com o presente do planeta, do Brasil, e das futuras gerações.

Baseada em conversas, na última semana, com especialistas sérios, que prezam o rigor científico, destaco:

  1. Não é verdade que a função principal da Floresta Amazônica é gerar oxigênio para o planeta, como estão dizendo o presidente da França, Emmanuel Macron, ou o secretário-geral da ONU, António Guterres (que entrevistei várias vezes quando era primeiro-ministro de Portugal.). Quem gera oxigênio para o planeta são os mares (os fitoplânctons). O oxigênio que a Floresta Amazônica gera é consumido praticamente todo pelo próprio bioma.

2. É muito mais do que isso. As funções principais da Floresta Amazônica são:

* A dos ‘Rios Voadores’ – A Floresta Amazônica produz sua própria chuva, sua própria umidade, e toda a água reciclada lá segue com o vento em forma de vapor d’água para a área mais rica da América do Sul, responsável por 70% do PIB do continente. Essa área é um quadrilátero delimitado por Cuiabá, São Paulo, Buenos Aires, Cordilheira dos Andes, que seria um completo deserto se não fosse irrigada pela Floresta Amazônica.

* A de Capturar Carbono – A Floresta Amazônica armazena uma quantidade absurda de carbono, o equivalente a 100 anos de emissões de CO2 dos Estados Unidos. Se tudo for queimado, virando gás carbônico, toda a Terra será destruída.

* A de Protetora da Maior Biodiversidade Planetária – Em pé, a Floresta protege a infinidade de riquezas ainda não pesquisadas. Imaginem a quantidade de medicamentos, que podem salvar milhões de vidas, que ainda não foram descobertos ou explorados?

A FLORESTA AMAZÔNICA É O CELEIRO DE ÁGUA DO CONTINENTE SUL-AMERICANO, É O CELEIRO DE TODO O EQUILÍBRIO CLIMÁTICO DO PLANETA INTEIRO.

SEM A FLORESTA AMAZÔNICA NÃO EXISTIRÁ MAIS AGRICULTURA NEM LÁ, NEM NAS REGIÕES SUL, SUDESTE E CENTRO-OESTE DO NOSSO PAÍS.

3. Também não é verdade que o índice de desmatamentos/queimadas é o pior de toda a História. Veja o quadro abaixo, com o índice das últimas duas décadas, ano a ano, levando em conta que grande parte das queimadas é em áreas de novos desmatamentos:

Gráfico: elaborado por especialistas de instituições científicas que trabalham na Amazônia.

Observa-se que o período do maior número de desmatamentos/queimadas foi de 2003 a 2006, depois houve queda de significativos 70%. Só que comparando-se os dados de junho de 2018 com junho de 2019, observa-se um crescimento de 88%. E o problema é que o período da seca mal começou e irá até outubro pelo menos.

OS PROGNÓSTICOS CIENTÍFICOS É QUE SE ESSES DESMATAMENTOS/QUEIMADAS NÃO FOREM FREADOS AGORA, CHEGAREMOS EM 2019 AO ÍNDICE DE 2010, O MAIOR DA ÚLTIMA DÉCADA, E SÓ MENOR DO QUE OS NÚMEROS DE 2004/5, OS PIORES DA HISTÓRIA.

4. Também não é verdade que a fumaça preta de São Paulo é inteiramente resultado da fuligem das queimadas na Amazônia. O entendimento científico mais respeitado é que parte dessa fuligem é originária sim da Amazônia, tomando o mesmo caminho que os dos ‘Rios Voadores’ que irrigam o centro da América do Sul. E parte é originária do Oceano Pacífico, das queimadas na Bolívia, e um pouco menos das queimadas no Peru. A fumaça preta apareceria mais em São Paulo porque a cidade já tem sua cota própria de fumaça preta.

O ALERTA É QUE É O MESMO CAMINHO DOS ‘RIOS VOADORES’: ELES LEVAM VAPOR D’ÁGUA PARA IRRIGAR E TORNAR PRÓSPERA BOA PARTE DA AMÉRICA DO SUL, ENQUANTO OS DESMATAMENTOS/QUEIMADAS LEVAM A FUMAÇA SECA, A POLUIÇÃO DO AR E O PROGNÓSTICO DE UM FUTURO SOMBRIO.

Para o pior não acontecer, é preciso falar sobre o assunto com seriedade. No Brasil, e em todo o planeta, precisamos, mais do que nunca, de serenidade e Ciência para construirmos uma verdadeira civilização.

Gostou? Compartilhe!

Mais leitura
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore