
Por Letícia Carvalho, G1
O vice-governador do Distrito Federal, Renato Santana (PSD), afirmou nesta segunda-feira (23) que sofre perseguição do chefe do Executivo local, Rodrigo Rollemberg (PSB). Segundo ele, o afastamento entre os dois durante o mandato se dá pelo fato de Santana ser “negro e morador de Ceilândia”.
As afirmações foram ditas durante sessão solene na Câmara dos Deputados, em homenagem aos 58 anos de Brasília. Em notas emitidas à tarde, o Palácio do Buriti e o coletivo negro do PSB repudiaram as afirmações (confira abaixo).
“Sou negro. Negro da Ceilândia. Sou servidor de carreira. Rollemberg nunca escondeu seu desprezo pelos mais humildes. Faz um discurso pseudo socialista, mas no convívio diário não esconde seu elitismo e seus preconceitos.”
Santana diz que, quando foi eleito, acreditou que Rollemberg seria “o novo na política”, mas “errou nas previsões”. O vice finalizou o discurso criticando a demissão de servidores de seu gabinete. Na semana passada, o governador assinou um decreto limitando a vice-governadoria a apenas cinco cargos de confiança.
O posicionamento foi rebatido pelo governo. Em nota, a Casa Civil apontou que o vice-governador agiu de “forma leviana e mentirosa”.
“Santana busca o discurso da vitimização, recorrendo a argumentos estapafúrdios para acusar o governador de preconceitos jamais alegado por qualquer pessoa séria em Brasília. Usa o método sorrateiro para esconder sua incapacidade administrativa.”
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Governador Rodrigo Rollemberg discursa na abertura do Fórum Mundial da Água (Foto: Marcos Corrêa/PR)
O vice-presidente do PSB regional, Daniel Cunha, também saiu em defesa de Rollemberg e afirmou que o discurso foi “carregado de hipocrisia e oportunismos”. A Negritude Socialista Brasileira emitiu uma nota de repúdio.
“É lamentável que o primeiro negro a alçar um cargo de tamanha importância no Distrito Federal utilize a cor de sua pele para justificar problemas políticos criados pela sua própria incapacidade de romper com a velha política (…)”
Por volta das 16h50, Renato Santana gravou um vídeo em que reafirma sofrer preconceito do governador. “Só sabe o que é preconceito quem é vítima de preconceito”, rebateu o gestor em gravação enviada pelas redes sociais.
Caso de Brazlândia
O comunicado do Palácuio do Buriti destaca um episódio que ocorreu com Santana em fevereiro de 2016. Na época, o borracheiro Elder Dias acusou o vice-governador de “montar” um cenário que aparentaria acúmulo de água em pneus durante uma ação anti-Aedes aegypti, em Brazlândia.
A mobilização de combate ao mosquito transmissor da dengue, chikungunya, zika e febre amarela teve a participação do vice-governador e do então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.
Dias contou que não sabia da mobilização e que, minutos antes do evento, um grupo o orientou a deixar os pneus na porta da borracharia, porque uma equipe os recolheria. Pouco depois, políticos apareceram e posaram para fotógrafos segurando os pneus e jogando eles em uma caçamba.
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O então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, participa de ação do Dia Nacional de Mobilização para o Combate ao Aedes Aegypti, na sede da Administração Regional de Brazlândia (DF) (Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo)
O homem diz ter recebido “lição de moral” por algo que não fez – manter depósitos de larvas mosquito – e ainda ter virado alvo de bullying.
Quando o caso ocorreu, o governo afirmou em nota que ‘em substituição ao governador, Santana ofendeu o proprietário da loja, após enganá-lo. É a prova da sua maneira de atuar”.
Discurso completo do vice-governador Renato Santana:
“Em 2014, fui eleito vice-governador, acreditando que Rollemberg seria o novo na política, e faríamos juntos um governo moderno e eficiente.
Infelizmente, errei nas minhas previsões.
Errei em achar, no plural, que faríamos .
Ele nunca permitiu que eu participasse das decisões. Nunca.
Errei no moderno.
Rollemberg mostrou-se a vanguarda do atraso.
Perseguiu servidores. Descumpriu promessas. Abandonou compromissos. Afastou os aliados.
Errei no eficiente.
Não conseguiu terminar a adutora de Corumbá. Aumentou as tarifas de ônibus e Metrô, na calada da noite. Fui contra! Não fez nem um metro a mais de Metrô nem investiu no sistema viário. Fez um caos na saúde. Fechou delegacias e postos policiais. Destruiu, por ser incapaz de construir. Não fez sequer a manutenção obrigatória dos viadutos. Não cuidou da cidade, que responde ao descaso com a maior rejeição da história.
A princípio, tentei ajudar. Fui rechaçado.
Depois, fiz críticas construtivas. Fui ignorado.
E quando lealmente discordei, fui perseguido.
Para honrar meu mandato, fui para as ruas. Enquanto os asseclas acadêmicos do governador, que não conhecem as cidades satélites, ficavam encastelados no ar-condicionado de seus gabinetes. Mesmo sem apoio, rodei 800 mil quilômetros em três anos e meio, ouvi a população e resolvi problemas.
Agora, que nossos rumos serão diferentes em 2018, o governador autoritário e despótico demite os servidores do meu gabinete, pessoas honradas e trabalhadoras. Devo lembrar que não fui nomeado, mas eleito pelo povo do Distrito Federal.
Para me prejudicar, ele prejudica pais de família e desrespeita a população que nos elegeu.
E por que tanta perseguição?
Chegou a hora de dizer.
PRECONCEITO.
Sou negro. Negro da Ceilândia. Sou servidor de carreira.
Rollemberg nunca escondeu seu desprezo pelos mais humildes. Faz um discurso pseudo socialista, mas no convívio diário não esconde seu elitismo e seus preconceitos.
Pois saiba, governador, que diferente de você, que é filho de ministro e entrou no Senado pela janela, sem concurso, eu estudei, fiz concurso e tenho muito orgulho da minha cor e de minha origem.”
Nota da Casa Civil
“As palavras do atual vice-governador do Distrito Federal não surpreendem.
Reafirmam sua conduta despreparada, imatura, inconsequente e por diversas vezes distante da realidade dos fatos.
São palavras inconsequentes e irresponsáveis. Falta envergadura moral ao vice para falar em lealdade.
Lembremos do episódio do borracheiro, em Brazlândia. Em substituição ao governador, Santana ofendeu o proprietário da loja, após enganá-lo. É a prova da sua maneira de atuar.
Agora, de forma leviana e mentirosa, Santana busca o discurso da vitimização, recorrendo a argumentos estapafúrdios para acusar o governador de preconceitos jamais alegado por qualquer pessoa séria em Brasília. Usa o método sorrateiro para esconder sua incapacidade administrativa.
A ação dele não afetará a disposição do Governo de Brasília para melhorar a qualidade de vida da população.”
Texto do vice-presidente do PSB/DF
“Senhor vice-governador,
Lamentável seu discurso, no meu entendimento um discurso carregado de hipocrisia e oportunismos.
O senhor foi um dos atores deste Governo que mais teve a sua disponibilidade ferramentas para apresentar soluções a população. Mas, ao contrário do que se espera de um agente público, se preocupou, tão somente, em fazer promoção pessoal.
Importante saber que o Partido ao qual o governador é filiado, Partido Socialista Brasileiro – PSB, é um dos poucos que têm organização interna para debater todos os assuntos de inclusões sociais. Sendo que um dos mais atuantes é o seguimento da Negritude Socialista Brasileiro – NSB.
Por fim, importante ressaltar que o atual 1º vice-presidente Regional do PSB/DF é um negro filho de Ceilândia, o qual teve pleno apoio do mesmo governador que o senhor vem criticar de forma oportunista.
Neste momento de afastamento das pessoas de bem da política, cabe a nós, principalmente políticos com mandatos e dirigentes partidários, sermos sinceros com a população, estes não merecem ouvir/ler discursos hipócritas com objetivos eleitoreiros.
Daniel Cunha
1º Vice-Presidente do PSB/DF”
Comunicado Negritude Socialista Brasileira do DF
“A Negritude Socialista Brasileira do Distrito Federal vem a público afirmar seu total repúdio à fala do vice-governador, Renato Santana, na manhã desta segunda-feira (23) em sessão solene na Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Santana, em tentativa desesperada de assegurar algum capital político que possa ter lhe restado, acusa o governador Rodrigo Rollemberg de lhe perseguir por ser negro e morador da Ceilândia.
Nós, que acompanhamos de perto as ações do governo na Ceilândia perguntamos: onde estava esse morador tão ilustre que NUNCA acompanhou uma visita do governador às obras de urbanização do Sol Nascente? Obras essas que são prioridades para a gestão Rollemberg? Obras que trazem dignidade, segurança, saúde à população? Onde estava o morador orgulhoso quando enchentes geraram transtornos à população do local e esteve o governador às 6h da manhã organizando força-tarefa no local, acompanhando os trabalhos e cobrando das equipes agilidade no atendimento? Na Ceilândia não estava. Rollemberg sim, sua equipe sim. Nós estávamos.
É lamentável que o primeiro negro a alçar um cargo de tamanha importância no Distrito Federal, utilize a cor de sua pele para justificar problemas políticos criados pela sua própria incapacidade de romper com a velha política e entender que faz parte de uma gestão honesta, que pratica a boa política, seja com a CLDF, com os sindicatos, com a população ou com quaisquer outros grupos.
Temos plena consciência que ainda temos muito a avançar no que diz respeito às políticas de igualdade racial em nossa cidade. Porém, e o vice-governador saberia disso se por algum momento tivesse se interessado, muito foi feito. E foi feito por termos um gestor comprometido com a luta, que senta à mesa com homens e mulheres de axé, comunidades quilombolas, indígenas, ciganos, e tantos outros.
A fala de Santana é um desserviço à comunidade negra que há séculos luta para garantir igualdade. Nós que realizamos, diariamente, o debate racial nos diversos espaços somos atacados com acusações de sermos vitimistas e temos que desconstruir a falácia da meritrocracia a cada instante. Acusações falsas, em véspera de eleições, com claros objetivos eleitoreiros, são percebidas de longe e dão margem para que, os que ainda não tomaram consciência da realidade da população negra no Brasil, desfiram seus ataques a todos nós e as políticas que lutamos muito para que fossem implementadas.
Ainda não é tarde, vice-governador. A consciência e o respeito às lutas são construídos ao longo das nossas vidas e acreditamos que ainda possa se apoderar delas.”