Juliana Cavalcante, Metrópoles
A disputa de poder entre sindicalistas e a nova gestão de uma subsidiária do Banco de Brasília (BRB) virou pauta de dois órgãos de controle externo. O Ministério Público de Contas (MPC-DF) e o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) analisam denúncia de contratação de pessoal por “apadrinhamento” na empresa Cartão BRB, coligada da sociedade de economia mista que tem como acionista majoritário o Governo do Distrito Federal (GDF). Entre os implicados, estão parentes de figuras de projeção na capital da República, como o governador Rodrigo Rollemberg (PSB), os deputados distritais Juarezão (PSB) e Ricardo Vale (PT), além do conselheiro do TCDF Paulo Tadeu. O diretor-presidente da instituição, Ralil Nassif Salomão, é apontado por supostamente atuar em favor da contratação de funcionários com conexões políticas.
Esta não é, no entanto, a primeira vez que a Cartão BRB enfrenta o desgaste de um processo levantando suspeita sobre suas contratações. Segundo a gestão da empresa, em 2010, o Sindicato dos Bancários de Brasília chegou a apresentar outra denúncia, com teor semelhante à atual, mas a acusação não prosseguiu. Após um longo período sem questionamentos, a entidade sindical tornou a se queixar, no ano passado, da modalidade de admissão.
A Cartão BRB alega que as acusações têm como pano de fundo conflitos referentes a indicações para cargos diretivos. De acordo com o Sindicato dos Bancários, tal imputação representaria apenas o pedido para uma “apuração aprofundada dos fatos”, e não haveria qualquer motivação partidária. “Não estamos preocupados com questão de governo. Governantes saem, o BRB fica”, disse o diretor-presidente da entidade, Eduardo Araújo.
Em parecer do MPC-DF ao qual o Metrópoles teve acesso, a procuradora-geral de Contas, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, defende a substituição de funcionários contratados sem concurso público por profissionais aprovados em certame. O processo tramita em segredo de Justiça.
Parentes
Uma das situações mencionadas na ação é o de Sarah de Sousa Vale, filha do deputado distrital Ricardo Vale e sobrinha do conselheiro Paulo Tadeu, do TCDF. De acordo com a unidade técnica responsável por apurar os casos, Sarah estagiou na consultoria jurídica do Banco de Brasília até maio de 2015. Cinco meses depois, foi admitida como assistente administrativa I da Cartão BRB.
De acordo com as conclusões registradas no documento, não houve processo seletivo interno ou externo para a vaga, nem cumprimento do requisito de experiência de 12 meses. A autorização para admissão foi assinada pelo diretor-presidente da empresa, em vez da gerência e da diretoria que solicitaram o preenchimento do posto. “A contratação de Sarah de Sousa Vale feriu o princípio da impessoalidade”, concluiu a procuradora Claudia Fernanda, no parecer.
A equipe técnica esclareceu, no entanto, que o contrato de trabalho foi rescindido em julho de 2016, “elidindo-se a situação de irregularidade”. Procurado pela reportagem, Ricardo Vale escolheu não se pronunciar sobre o caso. Paulo Tadeu, impedido de julgar o processo na Corte de Contas, também não quis se manifestar.
A contratação de um filho do deputado distrital Juarezão também é questionada no processo. De acordo com o parecer do MPC-DF, Juarez Carlos de Lima Oliveira Júnior, que tem formação em sistemas de informação, foi contratado inicialmente para o emprego de analista de atendimento júnior. Em maio de 2016, ele teria passado a ocupar o cargo de analista de TI júnior.
“Assim, diante da ausência de processo seletivo e autorização de admissão pelo diretor-presidente Ralil Nassif Salomão, com dissimulação do efetivo emprego e área de atuação pretendidos e exercidos desde o início do contrato, entendeu que a contratação de Juarez Carlos de Lima Oliveira Júnior feriu o princípio da impessoalidade”, destacou o Ministério Público de Contas, no parecer sobre o entendimento do corpo técnico.
A respeito do caso, o deputado Juarezão esclareceu, em nota, que seu filho tem formação para o cargo ocupado, “tendo em vista possuir bacharelado em sistemas de informação”. “O mesmo cumpriu e demonstrou possuir todos os requisitos extrínsecos ou intrínsecos exigidos para o cargo, com capacidade técnica para tal, através do processo seletivo adotado pela empresa”, concluiu.
Além dos filhos dos distritais, uma “sobrinha por afinidade” do governador Rodrigo Rollemberg – ela é sobrinha direta da primeira-dama Márcia Rollemberg – também acabou implicada no processo. Isabela Gonçalves Kesselring estagiou na consultoria jurídica do BRB e, posteriormente, participou de um processo seletivo externo para o emprego de assistente administrativo I, da Cartão BRB.
A admissão no cargo, de acordo com a unidade técnica, “teria sido indicada por funcionário do BRB não identificado”. “Entretanto, não vislumbrou que a contratação, ocorrida em 08.04.2013, tenha sido influenciada pelo então senador da República e atual governador do Distrito Federal”, ponderou o Ministério Público de Contas.
Em nota, a assessoria do GDF destacou: “pela própria conclusão do MPC, não há qualquer indício de que o então senador Rodrigo Rollemberg tenha feito a indicação de uma suposta sobrinha para um estágio, o que, por si só, em função da existência de um processo seletivo, não configuraria irregularidade”.
No parecer, o MPC-DF declarou que “concorda integralmente” com as considerações da unidade técnica. “O acesso aos empregos das entidades controladas pelo BRB, salvo os cargos de livre provimento (membros do Conselho de Administração e da diretoria) e a possibilidade de terceirização para as áreas que a lei permite, deve se dar mediante concurso público, nos moldes já realizados pela empresa controladora, o BRB”, avaliou.
Critérios de contratação
O TCDF também analisa a suposta contratação de empregados por critérios de “amizade e afinidade” na Cartão BRB. Conforme a denúncia, o atual diretor-presidente da empresa, Ralil Nassif Salomão, e o diretor de tecnologia e produtos, Humberto Augusto Coelho, são apontados como responsáveis por indicações que resultaram na admissão de novos funcionários.
Salomão teria viabilizado a entrada, na subsidiária do BRB, de um contemporâneo de pós-graduação, um advogado que atuou em seu favor, além de outras cinco pessoas, as quais treinavam ou ministravam aulas de capoeira na associação Raízes do Brasil, da qual é sócio-fundador. Essas contratações ocorreram entre os anos de 2015 e 2016.
Levantamento realizado pela unidade técnica do Tribunal de Contas do Distrito Federal identificou 17 pessoas supostamente admitidas na empresa devido à relação de proximidade com Salomão e Coelho. Após uma inspeção na gerência de pessoas da Cartão BRB, verificou-se que não houve processo seletivo para esses postos.
“Esta representante ministerial concorda integralmente com as considerações externadas pela unidade técnica, que demonstrou, cabalmente, a ocorrência de irregularidades, em descompasso com os princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública, nas contratações de pessoal efetuadas pela BRB Cartão por indicações do diretor-presidente e de diretor de tecnologia e produtos”, asseverou a procuradora-geral do MPC-DF, Cláudia Fernanda.
De acordo com a atual gestão da Cartão BRB, o procedimento utilizado para a admissão dos funcionários da empresa é lícito e segue todas as normas estabelecidas pela instituição financeira. Ainda segundo a subsidiária do Banco de Brasília, o pessoal contratado atende os requisitos técnicos necessários aos cargos que ocupam.