Há meses desempregada, Cristiane Silva, de 38 anos, se viu obrigada, no fim do ano passado, a pedir o reingresso no programa Bolsa Família. Após conseguir um emprego de operadora de telemarketing em 2015, ela parou de atualizar o seu cadastro no programa, mas menos de um ano depois foi demitida. Em seguida, o ex-marido que ajudava a pagar as despesas da filha Tainá, de 4 anos, também entrou na lista de cortes de uma empresa em que trabalhava como motorista. “Não dá para viver só com os cento e poucos reais que recebo do benefício, mas, pelo menos, o dinheiro ajuda a comprar um remédio ou um sapatinho para a Tainá”, conta Cristiane.
Cristiane, que nasceu em Teresina, no Piauí, mas veio ainda pequena viver em São Paulo, foi a primeira da família a cursar uma universidade. Há sete anos, depois de conseguir uma bolsa parcial em uma faculdade privada, concluiu o curso de Ciência da Computação. “Na época não foi difícil conseguir um emprego na área. Pagavam bem, e o Brasil vivia um ótimo momento em 2010. Lá no Nordeste, vi muita gente melhorar de vida. Muitas pessoas começaram a ter acesso a eletrodoméstico, carros e mais estudo. Nunca pensei que pioraria tudo outra vez”, desabafa preocupada com o alto desemprego no país, que já soma mais de 12 milhões de pessoas sem trabalho.
O benefício
O Bolsa Família é voltado para famílias extremamente pobres (renda per capita mensal de até 85 reais) e pobres (renda per capita mensal entre 85 e 170 reais). O programa tem hoje cerca de 13,6 milhões de famílias beneficiadas e o valor repassado a cada usuário varia de acordo o número de membros da família, idade e renda declarada no Cadastro Único. Ao entrarem no programa, os beneficiários recebem o dinheiro mensalmente e, como contrapartida, cumprem compromissos nas áreas de saúde e educação.
O retrocesso testemunhado por Cristiane é cada vez mais comum entre os brasileiros. Em meio à maior recessão econômica das últimas décadas, quase um milhão de famílias tiveram que recorrer novamente ao benefício do Bolsa Família nos últimos dois anos. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, devido ao agravamento da crise, houve um salto de pedidos de reinclusão em 2015: 423.668 famílias que foram beneficiárias do Bolsa Família entre 2003 e 2011 retornaram ao programa. Em 2016, ano em que a economia brasileira encolheu 3,6%, o número foi ainda maior, 519.568 retornos. Somando os dois anos foram 943.236 famílias que voltaram a receber o benefício. Nos anos anteriores ao início da crise, os números de retornos eram bem menores. Em 2014, por exemplo, foram 186.761 reinclusões. Atualmente, 13,6 milhões de famílias são beneficiadas pelo programa e o valor médio do benefício no último mês de fevereiro foi de 179,62 reais
“Não há a menor dúvida que esse número reflete a crise econômica em geral e a dificuldade de achar emprego. A taxa de desemprego mais que dobrou entre 2013 e 2016, passou de 6% para 12%. Essa situação induz as pessoas a voltarem ao benefício”, explica o economista João Saboia, professor da UFRJ.
Novos pobres podem chegar a 3,6 milhões
O Banco Mundial alerta, entretanto, que a crise econômica pode levar a um número ainda maior de brasileiros para abaixo da linha de pobreza até o fim do ano. Segundo um estudo da instituição publicado recentemente, o número de pessoas vivendo na pobreza no país aumentará entre 2,5 milhões e 3,6 milhões. Ainda conforme o Banco Mundial, a maior parte dos “novos pobres” virá de áreas urbanas. O estudo considerou abaixo da linha da pobreza as pessoas que vivem com menos de 140 reais ao mês. Nessa categoria, há ainda a extrema pobreza, que contempla os brasileiros que vivem com menos de 70 reais. Nesta última classificação, o Brasil passaria de 6,8 milhões em 2015 para 8,5 milhões em 2017. No leitura geral, a expectativa é que 11,8 milhões de pessoas desçam um ou mais degraus na escala da pobreza, fruto da atual recessão.
Para tentar frear o crescimento da pobreza, o Banco Mundial recomenda a expansão do Bolsa Família. Segundo a instituição, o orçamento do programa, que representa 2,3% da despesa geral da União, deveria crescer acima da inflação para ampliar a cobertura e atender ao número crescente de pobres. “[O Bolsa Família] passaria de um programa redistributivo eficaz para um verdadeiro programa de rede de proteção, flexível o suficiente para expandir a cobertura aos domicílios de ‘novos pobres’ surgidos da crise”, destacou o Banco Mundial no estudo.
No cenário mais otimista, segundo os cálculo da instituição, o valor do programa deveria subir 4,73% acima da inflação acumulada entre 2015 e 2017. Na previsão mais pessimista, a alta deveria ser 6,9% superior à inflação. A estimativa do orçamento necessário em 2017, segundo o Banco Mundial, é de 30,41 bilhões de reais. Este ano, a previsão orçamentária do Bolsa Família, no entanto, é de 29,3 bilhões de reais. Em 2016, o programa teve orçamento de 28,8 bilhões.
O estudo foi criticado pelo ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, que afirmou, nesta segunda-feira que a expansão do programa será determinada pela demanda. “Quem diz que alguém está precisando do Bolsa Família é o Cadastro Único do município. O Banco Mundial fez uma afirmação baseada em dados de 2015 e 2016. Não considerou o zeramento da fila. Não temos ninguém hoje que precisa fora do Bolsa Família”, defendeu em coletiva de imprensa no Rio de Janeiro. O ministro explicou que no ano passado 1,5 milhão de famílias deixaram o programa após o Governo aprimorar os mecanismos de controle dos critérios para participar do Bolsa Família.
Terra informou ainda que o Governo deve lançar um pacote de medidas para incentivar os beneficiários do programa a ingressarem no mercado formal. Entre as novidades está a manutenção do benefício, por até dois anos, para quem conseguir um emprego com carteira assinada. “Se a pessoa consegue um trabalho remunerado e formal, ela tem que ser incentivada, não pode ser punida com a perda do Bolsa Família. Ela tem que ter mais um ou dois anos recebendo o Bolsa Família até ter uma estrutura mais estável de emprego”, explicou. Ainda segundo o ministro, o programa é uma “causa importante, senão a maior”, da informalidade do mercado de trabalho porque as pessoas “morrem de medo” de perderem o programa.
O economista João Saboia rebate o argumento do ministro e afirma que a informalidade do mercado brasileiro não está relacionada ao Bolsa Família. “O benefício, de menos de 200 reais, é incomparavelmente menor que um salário mínimo [937 reais]. Se uma pessoa tem a possibilidade de ter uma carteira assinada, ela vai optar por isso. Pode ter alguma exceção, mas obviamente essa não é a causa, o problema da informalidade no Brasil nasceu bem antes do programa”, defende. Informações do El País.