Fujimori vence e Kuczinski surge como adversário no segundo turno

Keiko Fujimori, depois de votar em Lima neste domingo. E.A./EFE Atlas

Toda a política peruana gira em torno dos Fujimori. A filha do ditador, Keiko, venceu as eleições deste domingo no Peru. Com 61% dos votos apurados, Fujimori registrava 39,4%, ante 23,9% para Pedro Pablo Kusczynski, de centro-direita, e 16,8% da esquerdista Verónika Mendoza. Se confirmado o resultado, haverá segundo turno. E aí entrará em jogo o antifujimorismo, tão ou mais poderoso do que o fujimorismo. O rechaço é tão grande, que qualquer um dos candidatos contrários a Keiko que passar para o segundo turno, seja de direita, seja de esquerda, poderá vencer em 5 de junho, por reunir todos os votos contrários a esse sobrenome, que marca a história do país. Tudo indica que o adversário de Fujimjori será Kuczynski.

Fujimori vence e Kuczinski surge como adversário no segundo turno

As pesquisas apontavam um empate entre Kuczynski e Mendoza, mas as apurações mostravam uma diferença bastante ampla em favor do primeiro.

Nos últimos dias, houve uma forte campanha utilizando a ideia do medo contra Mendoza, que demonstrava força em um país onde a esquerda não tem levantado a cabeça há 30 anos por causa do peso do Sendero Luminoso que ela carrega em suas costas.

Embora Keiko Fujimori seja a mais votada no primeiro turno, eleitores de centro-direita votariam em Mendoza e os de esquerda votariam em Kuczynski para não votar nos Fujimori.

Keijo, que preferiria enfrentar Mendoza no segundo turno, mostrou-se eufórica perante seus apoiadores. “O novo mapa político demonstra que o Peru quer a reconciliação, não quer mais saber de disputas”. Kuczynski também estava exultante, com seus 77 anos, pulando e movendo os braços. Já se via como vencedor, embora tenha feito um apelo à prudência. Mendoza não se deu por vencida, embora houvesse muitas dúvidas entre os seus apoiadores. “Mostramos que é possível, fizemos isso sem recursos, sem dinheiro, de forma austera, com comprometimento, com o coração”.

Em uma vista a três locais de votação de Lima, um de classe média-alta, outro de classe média e um bem mais popular, mostrava imediatamente o que é que tem movido o voto no Peru: o medo, a lembrança de tempos passados muito duros. “Veja bem, não queremos fazer experiências. Já passei por todas elas. Perdi 30 anos de minha vida entre terrorismo, narcotráfico, guerrilhas, ditaduras. Eu adorava Fidel Castro quando jovem, mas isso já passou. É preciso mudar as coisas, mas dentro de uma mesma linha”, afirma Luis, de 72 anos, no distrito de Jesús María, de classe média, onde mora Verónika Mendoza (Frente Amplio). Ele é eleitor de Kuczynski (Peruanos por el Kambio), que tem 77 anos e já foi ministro da Economia. Um candidato de centro-direita que garantiria a continuidade. É claro que a questão da sua idade inquieta algumas pessoas. “Minha preocupação com o PPK é a idade. Estou entre ele e Keiko. Com o chinês (Fujimori), estávamos bem economicamente, embora não tão bem em outras coisas. Verónika me dá medo, é como Humala, apoia muito o interior, mas nada em Lima”, diz Antonia, aposentada do bairro de Cercado, que votaria com a filha. Ela decidiria já na fila, como muitos peruanos, o que tornava tudo muito mais imprevisível. As ideologias não são tão importantes como a confiança pessoal, a lembrança do fujimorismo e o medo da mudança, em um país tão conservador.

O que move o voto no Peru é o medo, a lembrança de tempos passados muito duros

As divisões sociais são visíveis nesses locais de votação, embora o voto esteja muito misturado justamente por causa desse confronto fujimori/antifujimori, que toma conta de tudo. No bairro de San Isidro, o mais rico de Lima, onde Kuczynski mora e vota, ele domina as urnas, sobretudo entre os homens de classe média-alta. “Vou votar no PPK, nada de esquerda”, dizia Pablo, um senhor vestido elegantemente que se dirigia à seção. Jorge, um jovem ruivo, conta que seu pai foi min8istro de Belaúnde nos anos 80 e agora vota em seu herdeiro, Alfredo Barnechea, que tinha poucas chances, mas espera, acima de tudo, que Mendoza não ganhe o pleito. “Ela propõe um modelo que já se sabe que fracassou no mundo inteiro”.

Charo vota no mesmo colégio desses limenhos de classe média-alta, mas as suas características físicas, em um país de mestiços, são bem diferente das dos demais. Ela tem a pele mais escura, e se veste de outra forma. É empregada doméstica. “Trabalho em uma casa aqui perto. Vou votar em Verónika porque é ela que vai defender melhor o povo”, afirmava. Julio, um porteiro que também trabalha em uma casa nesse bairro rico, discorda: “Verónika é muito boa, mas para a próxima, ainda lhe falta bastante coisa, é muito jovem [35 anos]. Agora é a vez do PPK”.

Nos bairros mais populares, Keiko (Força Popular) tem mais peso. É o ambiente natural do fujimorismo. A escola República Argentina, do bairro de Cercado, está cheio de trabalhadores com vários filhos juntos. Na listagem de nomes afixada na porta, os sobrenomes de origem indígena mostram a mestiçagem peruana. Abdías, que trabalha com serralheria votaria por Fujimori. “O pai de Keiko fez um bom governo. Espero que ela faça ainda melhor. É muito bem preparada”. “O pai fez coisas muito boas, e ela prometeu que não repetirá as ruins”, conclui Carlos, um motorista.

Além de decidir quem governará o país, o Peru obteve neste domingo algo quase tão relevante quanto: um recorde democrático. Pela primeira vez em sua história, quatro presidentes foram eleitos consecutivamente nas urnas, sem um golpe de Estado. O último golpe foi o de Alberto Fujimori, em 1992. E essa tranquilidade institucional se refletia no começo da jornada. Num país com fama gastronômica mundial, os candidatos deixam os cinegrafistas entrarem em suas casas para acompanhar seu café da manhã, em geral pantagruélico, com pratos tradicionais. Fujimori inclusive preparou uma linguiça huachana ao vivo pela televisão, enquanto jornalistas lhe faziam perguntas políticas. “Preciso me concentrar se não queima”, dizia.

Todos esbanjavam bom humor. De Cusco, sua terra natal, Mendoza exibia a humildade da sua casa e da sua campanha. “Não tínhamos recursos, mas demonstramos que dava para fazer, fizemos com carinho e compromisso”, sentenciava, com seu eterno sorriso. Enquanto isso, o veterano PPK buscava desmentir os rumores sobre sua saúde. “São uma invenção já sabemos de quem. Tem bastante PPK pela frente. Minhas tias viveram 98 anos, me restam 21”, ria. A idade, o sobrenome e o sorriso têm mais força que as batalhas ideológicas neste país desconfiado, que decide seu futuro num ambiente de clara insatisfação com o presente. Informações do El País.

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