Após buscas na casa de ex-gestor, CPI do Transporte do DF marca reunião

Lucas Nanini – Do G1 

O presidente da CPI do Transporte na Câmara Legislativa do Distrito Federal, Bispo Renato, agendou para a próxima terça (2) uma reunião extraordinária para avaliar as próximas ações da comissão. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (27), no mesmo dia em que a Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensão na casa do ex-secretário José Walter Vazquez e na própria Câmara, onde trabalha a ex-assessora da pasta Mara Viegas.

A ação policial ocorreu dois dias após a Justiça anular a licitação do transporte por irregularidades no processo ocorrido a partir de 2011. O juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública também deu 180 dias para que o governo contrate novas empresas de ônibus.

“Convoquei uma reunião extraordinária para a próxima terça-feira, às 9h, com os membros da comissão de investigação, para nos aprofundarmos dos detalhes e definir os próximos passos da CPI”, disse o presidente.

No comunicado desta quarta, Bispo Renato afirma que as decisões da Justiça e as operações da Polícia Civil “estão totalmente de acordo com a linha de trabalho já adotada pela Comissão Parlamentar de Inquérito”.

Renato declara esperar que o governador Rodrigo Rollemberg não entre com recurso contra a decisão do TJ, atenda à determinação judicial e que intervenha nas empresas, caso seja necessário, “não aceitando nenhum tipo de ameaça ou chantagem”.

A Procuradoria Geral do DF informou que o governo não foi noficialmente notificado sobre a decisão de anular a licitação do transporte e que por isso não vai se pronunciar sobre um possível recurso. No processo judicial, o governo disse que a licitação respeitou os “princípios norteadores da administração pública”.

O secretário de Transportes, José Walter Vazquez, e o diretor do DFTrans, Marco Antonio Campanella, durante entrevista (Foto: Lucas Nanini/G1)O ex-secretário de Transportes, José Walter Vazquez, e o
diretor do DFTrans, Marco Antonio Campanella
(Foto: Lucas Nanini/G1)

O G1 entrou em contato com o ex-secretário José Walter Vazquez, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. O ex-gestor sempre negou irregularidades no processo.

O ex-governador Agnelo Queiroz, que chefiava o Executivo na época da licitação, também foi procurado, mas não respondeu às mensagens.

O G1 procurou pela jornalista Mara Viegas, mas não conseguiu contato. Ela trabalha no gabinete do deputado distrital Ricardo Valle (PT), que enviou uma nota dizendo que a ação policial ocorreu apenas na mesa dela. “A servidora foi contratada para minha assessoria por ser profissional experiente, competente e respeitada”, diz.

O deputado diz que busca informações junto ao Poder Judiciário e aguarda as investigações policiais tomar as “devidas providências” após esclarecimento dos fatos.

As buscas também foram feitas em Curitiba – na casa e no escritório de advocacia de Sacha Reck, que assessorou a licitação, e na sede da Marechal. Outro endereço foi a casa do presidente da comissão de licitação, Galeno Furtado, em Goiânia.

Procuradores do DF ouvidos na CPI do Transporte nesta quinta (Foto: Isabella Calzolari/G1)Procuradores do DF ouvidos na CPI do Transporte
(Foto: Isabella Calzolari/G1)

Reck nega as irregularidades, diz ter provas de que o processo ocorreu de maneira legal e que ainda não teve oportunidade para se defender.

“Eu respeito a decisão do juiz, mas discordo das suas conclusões porque minha contratação não foi irregular, eu não cometi nenhum ilícito no processo e muito menos atuei de forma imoral ou desonesta. Tenho provas disso, mas infelizmente não tive oportunidade de apresentá-las nesse processo, pois não me ofertaram possibilidade nenhuma de defesa.”

O G1 tentou contato com Galeno Furtado, mas ele não atendeu o telefone.

Concorrência
A licitação do sistema de transporte coletivo ocorreu na gestão de Vazquez, em 2011, e sempre foi cercada de suspeitas de irregularidade. O certame foi alvo de CPI na Câmara e de ações judiciais, por suposto direcionamento para favorecer algumas empresas na disputa (veja infográfico).

Onde atuam as empresas suspeitas de irregularidades no transporte público  (Foto: Editoria de arte/G1)

Os vencedores da disputa foram a Viação Piracicabana, a Viação Pioneira, Expresso São José (todas de Brasília), a Auto Viação Marechal, do Paraná, e o consórcio formado pela HP Transportes Coletivos e a Ita Empresa de Transportes, de Goiás.

Segundo o Ministério Público, os envolvidos participaram de um esquema para favorecer grupos de empresas no certame. A estimativa do órgão é de que as empresas faturariam R$ 10 bilhões em dez anos, prazo da concessão, que pode ser renovada por igual período.

O caso veio à tona após reportagem doG1 mostrando que o MP investigava irregularidades no processo licitatório, que foi concluído em 2013.

Trecho da decisão do juiz Lizandro Gomes Filho (Foto: Reprodução)Trecho da decisão do juiz Lizandro Gomes Filho (Foto: Reprodução)

O juiz Lizandro Gomes Filho qualificou o suposto esquema como um “agir inescrupuloso de um projeto de burla à moralidade, que se constituiu muito antes da abertura da licitação e aceitou que uma pessoa interessada, alheia aos quadros públicos, opinasse e gerenciasse a concorrência”.

O advogado Sacha Reck (esquerda) na CPI dos Transportes da Câmara Legislativa do DF (Foto: Isabella Calzolari/G1)O advogado Sacha Reck (direita) na CPI do
Transporte(Foto: Isabella Calzolari/G1)

O juiz anulou o processo e também determinou que todos os réus paguem, de forma solidária, as custas do processo, que somam R$ 50 mil.

O processo corre na Justiça desde 2013 e envolve o GDF e as empresas Expresso São José, Marechal, HP-Ita Transportes (Urbi), Pioneira e Piracicabana. Ao G1, a assessoria que representa as companhias afirmou que não havia sido notificada e que por isso não iria se pronunciar.

Consultoria
Reck, que trabalhou na elaboração do edital de licitação do transporte público do DF, é suspeito de favorecer empresas da família Constantino, de Brasília, com quem já teve relacionamento comercial. O escritório de advocacia do qual Reck era sócio na época da licitação foi um dos alvos da 18ª fase da Operação Lava Jato.

Arte transporte coletivo GDF (Foto: Editoria de Arte/G1)

Os ministérios públicos do DF e das cidades de Apucarana (PR) e Guarapuava (PR) investigam desde 2013 um suposto esquema de favorecimento em licitações a empresas de transporte público ligadas a família Constantino, que controla a companhia aérea Gol, e também a família Gulin, do Paraná.

Os estudos de logística e edital de licitação do transporte público dessas três localidades foram elaborados pela Logitrans, empresa que tem entre seus sócios os consultores Garrone Reck e um filho dele, Alex Reck.

Sacha Reck, um outro filho de Garrone, já defendeu os interesses das famílias Constantino e Gulin, ligadas aos vencedores das licitações no DF, em Apucarana e Guarapuava.

Segundo suspeita do MP, empresas representadas por Sacha Reck são habilitadas e vencem licitações onde a Logitrans e o escritório do advogado atuam na elaboração dos editais.

Segundo o juiz Gomes Filho, a atuação de Sacha “maculou todo o processo licitatório”. “A atuação do advogado Sacha Reck, sem nenhuma dúvida, sempre foi direcionada a uma contratação viciada”, diz o magistrado.

Na decisão, ele cita o depoimento extrajudicial do então presidente da comissão de licitação, Galeno Furtado Monte, que apontou a influência do advogado na condução do grupo responsável por analisar as propostas.

Os réus, inclusive o DF, até agora não conseguiram, retilineamente, explicar a natureza jurídica da ‘consultoria’ de Sacha Reck, tampouco a forma de sua contratação e pagamento”
Lizandro Gomes Filho,
juiz da 1ª Vara da Fazenda  Pública do DF

Em setembro, o empresário Wagner Canhedo Filho, dono da empresa de ônibus Viplan, afirmou à CPI do Transporte que a licitação realizada em 2012 foi fraudada e que só ganharam a concorrência empresas que contrataram o escritório do advogado Sacha Reck.

A atuação do advogado na comissão não está esclarecida, no entendimento do juiz. “Os réus, inclusive o DF, até agora não conseguiram, retilineamente, explicar a natureza jurídica da ‘consultoria’ de Sacha Reck, tampouco a forma de sua contratação e pagamento.”

Mesmo grupo
O segundo argumento para o juiz anular a concorrência é o vínculo entre as empresas envolvidas. Um exemplo é a a relação entre a Piracicabana e a Pioneira, que são controladas por uma “sociedade maior” de nome Expresso União, que também disputou a concorrência, de acordo com o magistrado. Na prática, as participantes do certame, que deveriam competir entre si, pertenciam a grupos que tinham sócios em comum.

Na decisão desta segunda, o juiz afirmou que “seria ingenuidade acreditar que não há relação entre as ‘n’ empresas” que participaram da concorrência.

Composição das empresas Expresso União, Viação Pioneira e Piracicabana (Foto: Reprodução)Composição das empresas Expresso União, Viação Pioneira e Piracicabana (Foto: Reprodução)

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