Cerca de 150 presidentes e chefes de Estado tomarão a palavra nesta segunda-feira na capital francesa em um dos maiores encontros diplomáticos a acontecer fora de Nova York, sede da ONU. E seus discursos tratarão de um problema comum que percorre o planeta de norte a sul: a mudança climática.
O nome de Paris, uma cidade traumatizada pelos atentados de islamistas radicais, pode ficar ligado por muitas décadas à luta contra o aquecimento global se a cúpula internacional que sedia (a COP21) produzir um pacto eficaz dentro de duas semanas. Este 2015 está para terminar como o ano mais quente desde que existem registros. Paralelamente, o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera também está em níveis recordes. A ciência (quase por unanimidade) relaciona esses dois fatos e os Governos já assumiram essa conexão.
Apesar dos avisos, o ser humano continuou a aumentar as emissões por meio da geração de energia, da indústria, dos transportes e da agricultura nas últimas décadas. As previsões apontam que em 2020 o volume das emissões mundiais anuais dobre em relação a 1970.
Pouco tempo e demasiados parênteses
Quando no final de outubro se deu por fechada a reunião preparatória de Bonn (Alemanha), o resultado foi um texto de 51 páginas com demasiados parênteses, amostra dos desacordos que ainda existem entre os 195 países que negociam um acordo climático. Esse texto de Bonn é a base sobre a que se negociará em Paris. Em 11 de dezembro deveria estar pronto já o novo protocolo, mas não se descarta que possa ser necessário mais tempo.
Os responsáveis pela ONU, conscientes de que o rascunho é demasiado longo e ainda difícil de manejar, convocaram para reuniões técnicas as delegações durante este fim de semana. Segundo indicam fontes destas negociações, o que se buscou é deixar claras as regras antes de que na terça-feira se comece com os trabalhos oficiais.
Já foram realizadas 20 reuniões da ONU como essa de Paris, sem que se tenha chegado a um acordo que incluísse todos os países na redução das emissões. O protocolo que se quer substituir, o de Kyoto (1997), só cobria 11% das emissões globais. Agora se quer chegar a 100%, e para isso é necessário que desta vez a China e os Estados Unidos, as duas grandes potências econômicas e emissoras de CO2, participem do acordo. Ambos deram alguns passos, como apresentar seus planos de redução de emissões à ONU. Mas seus compromissos não estão entre os mais ambiciosos.
A União Europeia, que negocia como um bloco, vem com uma das propostas mais fortes: reduzir ao menos 40% suas emissões até 2030 em relação a 1990. E com uma mensagem: é possível crescer economicamente com menos CO2. Entre 1990 e 2012, as emissões diminuíram 17,9% na Europa. Isso em termos globais, porque há exceções nacionais como a Espanha, onde no mesmo período elas cresceram 22,5%.
Mas a Europa representa apenas 10% das emissões globais. Sem a China e os EUA, se voltará a fracassar no objetivo que se deseja definir: reduzir as emissões para que em 2100 o aumento da temperatura não chegue a dois graus em comparação com antes da Revolução Industrial.
Desta vez, depois de seis anos tentando fechar o pacto, as duas potências mostraram vontade de compromisso. O problema aparece na hora que se desce aos detalhes. Por exemplo, a UE quer que o acordo tenha pontos juridicamente vinculantes, algo de que duvidam os EUA, que não chegaram a ratificar o acordo de Kyoto precisamente por causa dessa obrigação jurídica. “A UE não aceitará apenas uma declaração de princípios”, afirma o secretário de Estado do Meio Ambiente da Espanha, Pablo Saavedra.
“O acordo deve ser juridicamente vinculante e com metas claras”, insiste Gabriel Vallejo, ministro do Meio Ambiente da Colômbia. Seu país está dentro do bloco de países que não são a principal causa da mudança climática, mas que se comprometeram a reduzir as emissões. A Colômbia propõe reduzi-las em 20% em relação a 2010. Mas poderia chegar a 30% se recebesse um financiamento extra. E aqui está outro dos pontos de tensão de Paris, porque existem dúvidas sobre quem deve colocar os 100 bilhões de dólares por ano que a partir de 2020 devem estar dentro do Fundo Verde. “Os países devem contribuir para esse fundo segundo suas capacidades”, diz Vallejo.
É possível que a meta de dois graus seja fixada no acordo. Mas os compromissos de mitigação de 180 países — 95% das emissões mundiais — apresentados antes da cúpula não são suficientes e colocam o planeta em um aumento de pelo menos 2,7 graus. A UE pretende que, para solucionar o problema, haja uma revisão para cima do acordo. “Nem a China nem os EUA querem a revisão para cima”, diz Valvanera Ulargui, diretora do Escritório Espanhol de Mudança Climática.
Teresa Ribera — diretora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais de Paris e que veio à cúpula com a delegação francesa — indica as consequências de fechar um acordo ambicioso. Na opinião dela, será enviada uma mensagem aos investidores internacionais do setor de energia, “que atualmente estão parados”.
Índia e os países da ALBA, na linha-dura da negociação
Antes do início das negociações em Paris, especialistas apontam a Índia e os países que compõem o grupo ALBA na linha-dura da negociação. A Índia manteve uma das posições mais duras na última reunião do G-20, na Turquia. De lá saiu o compromisso de fechar em Paris um acordo “com força de lei”, “aplicável a todos” e “ambicioso, justo, equilibrado, durável e dinâmico”. A Índia, responsável por 10% das emissões mundiais, apresentou compromissos de redução de emissões antes da cúpula. Mas nesse plano o país afirma que seus esforços estarão subordinados a um financiamento de 206 bilhões de dólares.
Além disso, no seu plano lembra que “não é parte do problema” da mudança climática, referindo-se às economias desenvolvidas que desencadearam o aquecimento depois de décadas de uso de combustíveis fósseis. A Venezuela — com uma economia dependente da energia fóssil — e a Nicarágua nem sequer apresentaram compromissos para reduzir os gases de efeito estufa. A Bolívia enviou seu programa à ONU. Mas no preâmbulo lança uma advertência: repudia “a visão dos impérios e das transnacionais” e aposta em criar um “caminho para chegar a uma solução para a crise climática a partir de uma visão alternativa à atual”. Os países produtores de petróleo também estão relutantes em relação a um acordo.
Um relatório do Instituto para os Recursos Sustentáveis do Reino Unido estabeleceu que para atingir a meta dos dois graus seria necessário deixar sob a terra um terço das reservas mundiais de petróleo conhecidas, a metade do gás e 80% do carvão.