LÚCIO FLÁVIO PINTO
A edição de Veja que está nas bancas dedica duas páginas ao desastre ambiental de Mariana, em Minas Gerais. O texto ocupa um terço desse espaço. A revista deu mais destaque a uma foto e a um gráfico. Mesmo nesse conjunto de dominação visual, é um espaço inferior ao dedicado à cantora inglesa Adele Adkins, ao jornalista Leandro Narloch e ao documentarista inglês David Attenborough.
A revista paulista admite que o rompimento das barragens para conter rejeito de minério de ferro da Samarco é “dramaticamente grande”, com efeitos que se farão sentir (e só serão inteiramente avaliados) pelos próximos anos em todo vale do rio Doce, que já foi um dos mais belos do país e do mundo (na avaliação do príncipe Adalberto, da Prússia, no século XIX), entre Minas e o Espírito Santo.
Com pouca atenção ao encadeamento dos fatos que provocaram o acidente, a revista tem sua atenção aplicada à proliferação de exageros pela rede mundial de computadores – “houve quem apontasse o desastre ambiental como o maior de toda a história”. “Bobagem”, sentencia Veja.
Mas se ela reconhece que esse é o “pior desastre do gênero em Minas Gerais” e o “mais grave do mundo tendo por causa o despejo de rejeitos minerais no ambiente”, três vezes maior do que o segundo mais violento, que aconteceu no ano passado na mina Monut Polley, do Canadá, por que a maior revista semanal do país (e das maiores do mundo) não procurou apresentar ao seu leitor essa agressão provocada pela mineração, reconstituindo-lhe os passos e apresentando o contexto desse desastre?
Provavelmente porque preferiu se manter numa barragem, a da Samarco, sem avançar uma palavra além dela. Nenhuma referência às duas mineradoras – a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billinton, as maiores da mineração de ferro – que dividem em partes iguais o controle acionário dessa que é a maior exportadora de pelotas de ferro do país e das maiores do mundo.
A Samarco é suficientemente grande para assumir os encargos do desastre que provocou. Seu faturamento no ano passado foi de 7,5 bilhões de reais e o lucro alcançou R$ 2,8 bilhões. Só o que distribuiu em dividendos à Vale e à BHP supera o valor das multas já aplicadas pelos órgãos públicos, de R$ 1,5 bilhão.
É uma multa estupenda, rara em qualquer país, mesmo nos mais ricos. Mas os impactos e prejuízos, incluindo “as perdas humanas e os danos sociais”, aos quais Veja se refere a jato, de forma neutra, sem quantificar os mortos e desaparecidos (que um plano de prevenção a sério podia ter salvado), estendendo-se apenas em relação aos efeitos sobre o meio ambiente, não dá dúvida alguma: excedem – e em muito – esse valor.
A Samarco, portanto, sairá ganhando se esse for o preço da sua responsabilidade e, ao quitá-lo, poderá retomar o processo produtivo, que deve ser agora a sua prioridade. Mas a Samarco é uma extensão da Vale, para ficar só na empresa nacional. A maior empresa de mineração do país, na liderança no ranking internacional, usou como tática se esconder por trás da empresa controlada.
O acidente desnudou e desmascarou sua decantada política de proteção ecológica e a nunca suficientemente louvada responsabilidade social. Por isso, seu empenho em se dissociar da Samarco, cujo nome está manchado definitivamente. Contando para isso com a ajuda da imprensa, generosamente brindada por seus frequentes anúncios.
Veja conquistou, com sua matéria desta edição, o título de autora da pior reportagem escrita na grande imprensa nacional sobre o desastre de Mariana.
Uma das piores e mais nojentas que já li na minha vida – com quase 60 anos de militância – como atento e interessado leitor de jornais e revistas. Ao terminar de ler o texto, senti vergonha de ser jornalista. Isto, Veja conseguiu. Parabéns, Raquel Beer, que assina a matéria.