Disputa se acirrou em inédito segundo turno; momento foi comparado a final de Copa do Mundo’ por assessor do candidato governista.

A caminho do inédito segundo turno presidencial na Argentina, a disputa entre o governista Daniel Scioli, da Frente para a Vitória (FPV), e o opositor Mauricio Macri, da coalizão Cambiemos (Mudemos), está cada vez mais acirrada, e observadores comparam o cenário à eleição brasileira de 2014.
A diferença entre ambos no primeiro turno foi inferior a três pontos percentuais, o que explica, em parte, a “tensão” entre governistas e opositores, disseram analistas e políticos ouvidos pela BBC Brasil. O segundo turno será realizado no dia 22.
Nos bastidores do governo e do comando da campanha de Scioli, esperava-se uma vantagem de ao menos oito pontos percentuais sobre Macri, com a expectativa de vencer já no primeiro turno. Mas o resultado foi diferente, e no pleito de 25 de outubro o oposicionista levou a disputa para o segundo turno.
No dia seguinte, a campanha se acirrou, e um assessor de Scioli compara o momento atual à “final de uma Copa do Mundo”.
Governistas dizem que uma vitória dos opositores “levaria a Argentina para a era das privatizações dos anos 1990” ou para a “ingovernabilidade”, como na histórica crise vivida pelo país em 2001, quando o então presidente Fernando de la Rúa renunciou ao cargo em meio a protestos.
Em discurso na sexta, a presidente Cristina Kirchner reforçou essa estratégia. Ela declarou esperar que os argentinos não vivam de novo um episódio “como o daquele presidente que deixou a Presidência de helicóptero antes do fim do mandato”, afirmação interpretada pela imprensa local como uma comparação entre De la Rúa e Macri.
O candidato oposicionista se defende, dizendo que “eles” é que governavam nos anos 1990 e que só entrou para “política depois da crise de 2001”, afirmaram assessores.
Já Scioli afirma que Macri é o candidato do mercado financeiro e sugere que ele poderia descontinuar políticas públicas aplicadas nos 12 anos de kirchnerismo (2003-2015), como a estatização da empresa aérea Aerolíneas Argentinas e da petrolífera YPF, além dos planos sociais.
Discursos antigos de Macri, nos quais defendia a privatização da YPF, por exemplo, são lembrados por apoiadores de Scioli. Num ato político na quinta-feira, Macri disse que manterá os planos de inclusão, caso seja eleito.

Segundo o consultor político e professor de ciências políticas da Universidade Torcuato di Tella Sergio Berensztein, o aumento da tensão política faz parte de uma disputa de segundo turno presidencial, jamais realizado na Argentina.
“Estamos vivendo aqui o mesmo clima que o Brasil viveu no segundo turno (entre a presidente Dilma Rousseff e o oposicionista Aécio Neves, em 2014). Mas esse ambiente era esperado”, disse Berensztein à BBC Brasil.
‘Rivais, porém amigos’
Scioli e Macri são amigos de longa data, gostam de esporte, surgiram do setor privado e entraram para a política na idade adulta, disse Berensztein.
Segundo ele, é difícil dizer que um seja de esquerda ou centro, no caso de Scioli, e outro de centro ou direita, para Macri.

“O conceito tradicional de ideologia não combina com eles”, disse ele, que avaliou Macri como “pragmático” e que “obedecerá as leis”, e que Scioli “seguirá o caminho do kirchnerismo” por representá-lo.
A tensão é perceptível. Na semana passada, durante quatro discursos seguidos de Cristina na Casa Rosada, a sede da Presidência, seus apoiadores gritavam “Pátria ou Macri”, em referência ao slogan “Pátria ou morte”.
Um assessor da campanha de Scioli e que trabalha com o candidato há mais de dez anos disse à BBC Brasil que a campanha trabalha “como se fosse a final de uma Copa do Mundo”, mas que o candidato quer retomar a campanha para “encontro e não confronto”.
“Não é uma campanha fácil. Sabemos que a disputa é minuto a minuto, mas daqui até o dia 22 há uma eternidade, e os que não votaram no governo ainda podem mudar de voto”, disse o assessor, em condição de anonimato.
Do lado de Macri, a deputada Patrícia Bullrich disse que a “tensão política” é inédita em tempos democráticos na Argentina, mas que seria “típica” da era kirchnerista.
“A estratégia deles é a do confronto, entre os bons e maus, entre o que chamam de defensores do povo e contra o povo”, disse Bullrich, por telefone.
Na opinião do analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Mayoría, o inesperado resultado do primeiro turno e a disputa acirrada “favorecem Macri, mas não se pode subestimar a capacidade do governo” de vencer.
‘Equilibrista’
Assessores e analistas dizem que Scioli deve tomar uma posição de “equilibrista” nesta reta final para manter os votos do kirchnerismo e tentar conquistar aqueles que votaram contra o governo.
“As urnas disseram que pelo menos 60% dos argentinos votaram contra o governo. Eu estou entre eles”, disse o ex-senador Rodolfo Terragno, num programa de televisão.
A disputa também está forte nas redes sociais. Uma universitária disse no Facebook que teme que Macri vença porque a educação pública “sairia perdendo” e “conquistas sociais do kirchnerismo desapareceriam”. Outra eleitora escreveu: “Scioli é perigoso, mentiroso e traidor”.
Eleitores afirmaram, no Twitter, que Scioli “agora reconhece a inflação que negava”.
Na Argentina, os dados oficiais da inflação são questionados por opositores e especialistas. “Que bom que agora reconhecem que existe inflação”, disse o economista Rogelio Frigerio, da equipe de Macri.