Invasões milionárias do Lago Paranoá. Quem aposta na remoção?

Thais Paranhos, Correio Braziliense

A desocupação da orla do Lago Paranoá voltou a ser discutida 10 anos após a ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Mas o anúncio da derrubada de muros e cercas em uma faixa de 30m a partir da margem, prevista para começar até 15 de maio, esbarra em uma realidade complexa e já consolidada. O terreno em frente ao espelho d’água virou, ao longo do tempo, espaço de lazer dos moradores, com píeres, churrasqueiras, piscinas, quadras de esporte, entre outros.

Na primeira etapa, só muros e cercas da QL 12 do Lago Sul — a Península dos Ministros — e da QL 2 do Lago Norte serão derrubados. Em dois anos, toda a orla deverá estar livre de cercamento. Concluída essa fase, o governo vai estudar um destino às construções que sobraram em Área de Preservação Permanente (APP). O Correio percorreu a orla do lago, com apoio do 1º Pelotão Lacustre da Polícia Militar Ambiental do DF, e verificou a ocupação em boa parte da margem do espelho d’água, sem respeitar o limite de 30m. Salvos alguns casos, as margens, em sua maioria, são áreas públicas.

Construções nas QLs 8, 12, 14, 16 e 22 e no condomínio ao lado da Ermida Dom Bosco chamam a atenção pela proximidade com o espelho d’água. O gramado bem cuidado abriga churrasqueiras, decks, piscinas e píeres que levam ao lago. O presidente da Associação dos Amigos do Lago Paranoá (Alapa), Marconi Souza, alega ser comum moradores tomarem conta da área próxima de casa por questão de segurança. “As pessoas urbanizaram e fizeram jardins perto das residências, cuidaram para que não fossem invadidos os terrenos. Não somos contra a desocupação nem estamos reivindicando pedaços de terra, mas isso deve ser feito de forma organizada”, pondera.

Marconi lembra que a comunidade não foi ouvida na discussão para desocupar a orla, por isso pretende reagir. Eles (os moradores) já contrataram advogado e prometem recorrer à Justiça para evitar a ação. “Temos direito adquirido, pagamos caro por esses terrenos, tiramos habite-se, construímos as casas antes da lei, não podemos ser prejudicados”, ressalta. O presidente da Alapa diz ainda que a comunidade está disposta a pagar pela área pública usada, se houver um acordo com o governo.

Recuperação
O secretário de Gestão do Território e Habitação (Segeth), Thiago de Andrade, explica que em caso de APP, aquela faixa de 30m a partir da beira do lago, não há possibilidade de permitir ocupação. O que já existe nesse espaço será avaliado após a conclusão das primeiras etapas do acordo para desocupar a margem. “O Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) vai indicar a remoção ou a manutenção dessas construções, se interfere ou não no meio ambiente”, diz. De acordo com ele, os lotes que, originalmente, chegavam até a beira do espelho d’água também serão avaliados, como os do Setor de Mansões do Lago Norte e alguns do Lago Sul. “Nesses, não haverá derrubadas, mas o PRAD vai indicar a ação que deverá ser adotada em cada terreno.”

Ainda segundo o secretário, a maioria dos lotes nas pontas dos conjuntos tem entre 600 e 1,2 mil metros quadrados, mas os moradores avançam em área pública que, em alguns casos, pode chegar a 12 mil m² em torno do lote. “Neste momento, estamos cuidando da desobstrução dos 30m. O morador deve chegar a esse limite. Mas, muitas vezes, o terreno continua invadindo área pública”, comenta.

O professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB), Gustavo Souto Maior, acredita que a orla do lago deve ser totalmente desimpedida e recuperada, mas a ocupação ao longo dos anos e a consolidação desses espaços como área de lazer dos moradores inviabiliza a liberação. “O poder público, seja o Legislativo, seja o Judiciário, seja o Executivo, permitiu essa situação”, afirma. Ele lembra que houve outras tentativas de desocupar a orla, todas sem sucesso.

Entenda o caso

Falta de fiscalização

O governo e o MPDFT anunciaram, no último 12, a assinatura de um acordo para desocupar a orla do Lago Paranoá em cumprimento a decisão judicial. O órgão entrou com uma ação civil pública contra o GDF em 2005, alegando omissão na fiscalização, para evitar as ocupações na orla do Lago Paranoá. No processo, o órgão argumentou que “os trechos da orla do Lago Paranoá são indispensáveis para a proteção de várias espécies de mamíferos da fauna silvestre brasileira, de aves, de anfíbios e répteis, muitos dos quais ameaçados de extinção no Brasil”. 

A sentença, determinando a recuperação da área de preservação permanente, saiu em 2011, mas, somente dois anos depois, transitou em julgado. A Justiça determinou multa diária de R$ 5 mil, caso o GDF não apresentasse, em 120 dias, um cronograma de fiscalização e de desocupação da área, além de um plano de recuperação da orla do espelho d’água. No ano passado, em uma nova tentativa, o MPDFT deu novo prazo para a apresentação, recebeu o documento, mas o considerou cheio de falhas.

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