Cenário de 1,1 milhão de mortes, Auschwitz recebe 1,5 milhão de turistas por ano

Por David Shalom, iG São Paulo 

Localizado em Oswiecim, maior campo de concentração e extermínio da II Guerra é o principal ponto turístico da Polônia

Oswiecim é uma cidade pacata e de pouco movimento. Distante cerca de 66 quilômetros da bela Cracóvia, ela dificilmente teria grande atrativo para viajantes, a não ser por seu cenário idilíco de belas casinhas, fazendas e áreas verdes. Mas o passado não muito longínquo deste isolado município de 47 mil habitantes o levou a se tornar o centro do turismo da Polônia, país que ganha anualmente destaque entre os destinos mais visitados do Leste Europeu.

Os trilhos pelos quais trens transportaram centenas de milhares de vítimas do nazismo na Polônia
Auschwitz-Birkenau State Museum

Os trilhos pelos quais trens transportaram centenas de milhares de vítimas do nazismo na Polônia

É em Oswiecim que se localiza o Museu Estadual Auschwitz-Birkenau, cenário de algumas das maiores atrocidades da Alemanha nazista entre 1942 e 1945, auge da matança desenfreada que marcou a Segunda Guerra Mundial. Estimativas mostram que aproximadamente 1,1 milhão de pessoas foram mortas nos dois campos, dispostos no mesmo gigantesco complexo e considerados símbolos máximos do Holocausto, no qual quase seis milhões de judeus foram mortos.A simbologia do enorme espaço onde repousam as cinzas de centenas de milhares de vítimas em consequência de doenças como o tifo, de fome, de frio, assassinadas a tiros e, principalmente, nas câmaras de gás, tornou o complexo de campos de concentração e extermínio o mais visitado ponto turístico da Polônia. Só no ano passado, 1,534 milhão de pessoas andaram entre seus barracos. Número que deve ser inflado em 2015 com a celebração dos 70 anos da libertação de seus prisioneiros.Leia mais:
Auschwitz quer passar a ter nova missão de educar visitantes

Latas de zyclon b: pesticida usado para matar em massa nas câmaras de gás dos campos
Auschwitz-Birkenau State Museum

Latas de zyclon b: pesticida usado para matar em massa nas câmaras de gás dos campos

“Todas as vezes que chego a Auschwitz tenho a pior sensação do mundo. É um clima pesado, um astral muito ruim. Nunca deixa de ser horrível”, conta Márcio Pitliuk, publicitário responsável por idealizar o documentário “Marcha da Vida” – sobre as peregrinações aos campos, que já visitou sete vezes – e a pessoa escolhida pelo Conselho Judaico para representar os sobreviventes de Auschwitz-Birkenau que vivem no Brasil nas celebrações desta terça-feira (26) no local, com presença de chefes de Estado, de personalidades como o cineasta Steven Spielberg – diretor de “A Lista de Schindler” – e de cerca de cem sobreviventes dos campos. “É essencial visitar Auschwitz tanto para prestar homenagem às vítimas que lá pereceram quanto para conhecer sua história para que ela jamais volte a se repetir.”Turismo em crescimento
Tal posicionamento sobre a importância dos campos para a compreensão do que a intolerância pode causar à humanidade tem ganhado força nos últimos anos. Auschwitz-Birkenau foi aberto como museu estadual pelo parlamento polonês em 1947, dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o mais sangrento conflito registrado na história, com quase 60 milhões de mortos.Em 1960, auge da Guerra Fria que manteve o país praticamente fechado devido à influência da União Soviética (URSS), cerca de 350 mil pessoas o visitaram. Com a dissolução do regime soviético, em 1991, os índices cresceram ano a ano. Em 2001, cerca de 492 mil visitantes estiveram no local. Em 2007, segundo dados oficiais, a marca passou de 1 milhão. Saiba um pouco mais sobre o Museu Estadual Auschwitz-Birkenau:

Fachada da entrada de Auschwitz, na cidade de Oswiecin, após o fim da II Guerra Mundial: centenas de milhares de vítimas. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
O portão nos dias atuais com a infame frase Arbeit Macht Frei (o trabalho liberta), comum a todos os campos nazistas. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Os trilhos por onde passavam os trens apinhados de vítimas do nazismo, regime que matou quase 6 milhões de judeus. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
O campo de extermínio de Birkenau, construído ao lado de Auschwitz para aniquilar judeus e outras minorias. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Torre de controle em frente a cerca no campo: quem tentasse fugir era imediatamente aniquilado. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
Tufos de cabelo humano expostos em Auschwitz: usados pela indústria têxtil alemã. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Tecido feito de cabelo humano exposto no museu de Auschwitz. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Típico uniforme usado por judeus no campo, com sapatos de madeira como calçados. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
Sapato de madeira usado pelas vítimas do nazismo no campo. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
Latas vazias de Zyklon B utilizadas na matança de internos nas câmaras de gás. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
Torre de controle que permanece em pé no Auschwitz-Birkenau State Museum. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
Símbolo que era usado por judeus para serem identificados nos países ocupados pela Alemanha Nazista. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
Trilhos no Auschwitz-Birkenau State Museum. Foto: Auschwitz-Birkenau State Museum
Vagão que levou vítimas do nazismo exposto em no campo de extermínio de Birkenau: construído após Auschwitz para a prática da Solução Final. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Cerca no Auschwitz-Birkenau State Museum: 1,5 milhão de turistas só em 2014. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Latrinas nos barracões onde viviam os prisioneiros: pesadelo diário. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Um dos barracos de Birkenau: pessoas amontoadas e falta de higiene levou milhares à morte por tifo. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Placa em Birkenau escrita iídiche: falada pelos judeus no Leste, língua ficou praticamente extinta após o extermínio em massa de seus praticantes . Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Memorial do Holocausto em Birkenau: construído ao lado de onde ficavam as câmaras de gás. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Memorial do Holocausto em Birkenau: construído ao lado de onde ficavam as câmaras de gás. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Barraco em Birkenau: cinzas de centenas de milhares repousam ao seu redor. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Interior de barraco em Birkenau. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Sapatos amontoados de vítimas do nazismo expostos em Auschwitz. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Escovas variadas pertencentes às vítimas do nazismo em Auschwitz-Birkenau. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Uma boneca exposta no museu em Auschwitz: crianças e idosos eram mandados direto para as câmaras de gás. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
Cozinha de uma das alas do campo: ração diminuta para matar prisioneiros de fome. Foto: Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum
O movimento é reforçado por grupos organizados, que há anos promovem viagens ao local. Anualmente, a March of Life (Marcha da Vida) leva simultaneamente cerca de dez mil pessoas de diversas nacionalidades aos campos, onde homenageiam os mortos com luto, bandeiras de Israel e canções em hebraico e iídiche – língua falada pelos judeus do Leste Europeu na época da guerra.Desde 2009, o Fundo Comunitário também organiza sua própria Marcha da Vida, voltada para universitários. Nela, jovens com idades entre 20 e 30 anos são preparados com oito aulas para entender a história da Guerra e, posteriormente, viajam a localidades essenciais para conhecê-la – neste ano, além da Polônia, o roteiro inclui a capital alemã, Berlim. A viagem termina em Israel, Estado fundado em 1948, três anos após o fim do nazismo, e considerado um porto seguro por judeus de todo o mundo. Cerca de 600 pessoas já participaram do projeto.”O ideal seria que todo ser humano pudesse entender e conhecer toda a história das atrocidades nazistas para que neste mundo jamais se volte a negar o Holocausto”, diz Rick Frenkiel, coordenador do projeto voltado para jovens judeus. Também guia, ele viaja com grupos a Auschwitz-Birkenau uma vez por ano, desde 2007. “É um programa feito para uma geração de netos de sobreviventes desse massacre com o objetivo de que entendam a complexidade que a intolerância causa e se tornem não só judeus melhores mas pessoas melhores.”

Barraco no campo de extermínio de Birkenau: sem higiene, prisioneiros morriam de febre tifóide
Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum

Barraco no campo de extermínio de Birkenau: sem higiene, prisioneiros morriam de febre tifóide

Caminhando sobre as cinzas
Para se chegar a Auschwitz-Birkenau, a melhor forma é viajar a Cracóvia, antiga capital do Governo Geral – a área ocupada da Polônia pela Alemanha nazista –, a cerca de duas horas e meia de trem da capital do país, Varsóvia. Da rodoviária local, na região central, é possível pegar, de hora em hora, ônibus ou micro-ônibus em direção a Oswiecim, trajeto tranquilo de pouco mais de 60 minutos que passa por vilarejos e fazendas. Pacotes turísticos completos, com traslado e guia, podem ser facilmente adquiridos, mas de longe a maneira mais econômica de fazer a visita é de forma independente.Barato, o ônibus que sai da rodoviária deixa os passageiros bem em frente à entrada principal do complexo, aberto diariamente a partir das 8h – o horário de fechamento vai, dependendo da época do ano, até às 15h, 16h ou 17h. Galerias com restaurantes, lanchonetes e lojinhas podem ser visitadas antes de se entrar nos campos.

Há duas opções de visita. A primeira é começar por Auschwitz, onde barracos do complexo foram transformados em um grande museu, com a história da guerra e da perseguição nazista às minorias. É nesses espaços que o visitante se depara com peças particulares de algumas das centenas de milhares de vítimas da matança de Adolf Hitler, como óculos, roupas, malas, escovas de dente, próteses, dentes, tufos de cabelos – usados na época pela Alemanha para produzir tecido – e documentos.

Vagão que transportou vítimas do nazismo exposto no campo de Birkenau, na Polônia
Auschwitz-Birkenau Memorial and Museum

Vagão que transportou vítimas do nazismo exposto no campo de Birkenau, na Polônia

Na maior parte do dia, no entanto, a visita ao campo de concentração é feita obrigatoriamente com o acompanhamento de um guia, ou seja, há horários pré-definidos que podem levar a uma longa espera, além de ser necessário gastar alguns zlotys (a moeda local) e seguir seus passos, o que pode levar algumas horas – os campos fecham cedo e os ônibus de volta a Cracóvia, quase sempre cheios, têm horários limitados. Além disso, o movimento é incessante, muitas vezes sendo preciso desviar de outros visitantes para conferir os artigos expostos.Assim, outra opção é começar o passeio por Birkenau, onde são mantidas todas as características do campo original: um amplo espaço aberto cercado por barracões – um ou outro disponível para visitação –, cortado pelos trilhos que levavam as vítimas de trem diretos às câmaras de gás (atualmente montes de entulho, pois foram destruídas no final da Guerra pelos alemães) e marcado em seu horizonte por um memorial às vítimas do nazismo. A cada meia hora, um ônibus gratuito leva os visitantes de um campo ao outro. Desta forma, é possível retornar à Auschwitz para visitar o museu já um pouco mais vazio, sem espera e sem acompanhamento de um guia. O roteiro também se torna gratuito nas últimas horas de funcionamento.Os brasileiros ocupam a 26ª posição entre os turistas que mais visitaram o museu estadual em 2014, com 7.750 pessoas. Poloneses lideram a lista, com 398.800 visitantes, seguidos por britânicos (199.400), norte-americanos (92.050), italianos (84.350), alemães (75.400) e israelenses (62.100).

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