Do G1
Em entrevista ao G1, vítimas de Roger Abdelmassih relataram com detalhes o drama que viveram durante tratamento na clínica do ex-médico, na Zona Sul de São Paulo. À época, ele era reconhecido como assumidade em fertilização. Estupros, assédios e manipulações genéticas encabeçam a lista dos crimes cometidos por Abdelmassih, procurado pela polícia desde 2011.
Veja abaixo os depoimentos de quatro mulheres:
VANUZIA LEITE LOPES
de 54 anos, estilista e estudante de direito, divorciada

“Eu fui violentada em 1993. Eu e meu marido fomos fazer um tratamento de três tentativas. Na terceira vez, ele me violentou dopada. Só que eu acordei no meio e consegui me soltar dele. Ainda com restos de espermatozoides consegui ir numa delegacia, fiz exame de corpo delito. Eu acordei e ele estava em cima de mim e ele tinha acabado de gozar. Ele queria que eu ficasse deitada, falou que eu estava dormindo, sonhado. Eu falei que isso não estava normal. Meio mole eu levantei, sai toda suja dele. E tive essa lucidez de em vez de ir para casa tomar um banho ir para a delegacia. E foi o que eu fiz. Fui encaminhada para fazer exame de corpo de delito e depois fui ao Conselho Regional de Medicina.
Eu sou uma das vítimas que, durante a sentença, teve a prova cabal de que ele violentava mulheres. Só que na época em que eu fiz a denúncia, o delegado inclusive morreu, e o caso foi esquecido. Eu fiquei durante anos pensando que somente a mim ele tinha violentado. Nunca pensei que eram tantas mulheres. Quando em 2007, 2008 a secretária vazou na imprensa que ele tinha sido visto agarrando paciente, eu falei: então ele está fazendo isso com outras mulheres.
estilista e estudante de direito
Nesse período todo ninguém me deu ouvidos. Fui à delegacia, fui ao Conselho Regional de Medicina e fiz o procedimento legal. Mas não foi oferecida a denúncia. E o processo fica lá, sumido. Eu que guardei uma copiazinha.
Para mim (a prisão dele) é muito importante, porque eu represento muitas mulheres. Essa noite eu estou sem dormir porque mais de 50 vítimas me ligaram pedido para que eu desse uma coletiva e falasse em nome delas do alívio que eu estou sentindo. Muitas choraram comigo: uma que tentou suicídio, que o marido não acreditou que tinha sido violentada, que retalhou sua vagina, essa moça me telefonou essa noite, chorou muito e disse que agora ela vai começar a ser curada. Assim são muitas vitimas. Gilmar Mendes quando fez isso ele nos colocou em risco. Esse homem é perigoso, nos ameaçou muitas vezes de morte durante a sentença.
Nós montamos um exército de anônimas. Existe a Interpol e existe hoje o Intermulheres. São mulheres que foram vítimas como nos e estão nos ajudando. Tenho medo dele, não tenho medo de mostrar meu rosto. Porque só há uma maneira de você dar credibilidade a uma denuncia, é mostrando o rosto, falando que aconteceu. Não é atrás de um pano, uma luz escura, que as pessoas vão acreditar.
Uma vez ele disse publicamente que Deus mandava no céu, e que ele era o Deus aqui na terra. Quem mandava era ele. Então aqui agora para onde ele vai é o inferno. E ele não é Deus lá não.
Nós somos vítimas, não somos coitadas. Eu fui vítima naquela situação que ele estava em cima de mim. Depois que eu saí dali, eu sou uma mulher normal. A força de uma mãe, de uma mulher que perdeu seu marido, perdeu seus filhos.
É o inicio da nossa cura. Eu adotei uma menina, na época ela tinha sete anos. Hoje ela tem 30 e me deu uma neta de sete anos. Eu sou separada, mas fiquei seis anos, desde quando denunciei Roger, sem beijar. Voltou tudo, a falta de libido. Essa semana eu consegui dar um beijo.”
IVANY SEREBENIC,
empresária, casada

“Meu caso ocorreu em 2000 e foi caracterizado como estupro. Procuramos pelo Roger Abdelmassih por conta da exposição dele, por ser o homem com mais sucesso nesse meio.
Eu estava com a pressa para ser mãe, e quis ir a um médico que fosse resolver meu problema. Era tudo muito convincente. O marketing era muito grande. Eu e meu marido éramos recém-casados, mas eu já estava chegando aos 34 anos, isso vai diminuindo as chances. A gente não quis perder tempo. Não esqueço nunca quando começamos a perguntar do custo. Ele questionou qual era o preço do nosso sonho, de ter seu filho te chamando de pai, mãe. Ele falava para a gente vender alguma propriedade, que o sonho não tinha preço.
Na época, ele cobrava em dólar. Gastamos cerca de R$ 30 mil, quando a moeda americana valia três vezes o real. E os medicamentos nós éramos obrigados a comprar na própria clinica.
Primeiro ele deu uma investida, eu não tinha nem iniciado o tratamento. Achei que era um caso isolado, achei que eu que tinha dado alguma abertura, e deixei de lado. Comecei o tratamento, mesmo porque já tinha pago. No dia a dia a gente não via muito ele. Depois que pagamos, ele nem nos cumprimentava mais.
empresária
Eu estava acordando da sedação e o vi em cima de mim. Chorei, chamei a enfermeira. A gente ficava na maca, ele se recompôs com a roupa. Abandonei o tratamento e falei com meu marido. Mas é aquela coisa, como ia fazer para denunciar? Ele era um homem poderoso.
É muito difícil falar. A gente sente vergonha. É constrangedor. É uma hipocrisia que existe de achar que você está querendo aparecer. Quem vai querer aparecer com uma situação dessa? Eu tenho mãe, pai, sogro, sogra, família. Em 2005 descobri que eu não era a única vitima e ai foi quando me encorajei para poder denunciar. Logo que denunciei recebi telefonemas dizendo que iam acabar comigo, iam me destruir. Que eu ia pagar por ter feito a denúncia.
Isso acaba deixando sequelas. Você acaba se privando de um monte de coisas, você tem muitos problemas. Não posso dizer que sou uma pessoa normal e superei. Fiz tratamento psicológico, busco me orientar, mas você não consegue fazer isso sozinha. O medo de ele estar solto, sabendo que eu fui uma das primeiras a denunciar sempre foi muito grande.
Eu não consigo provar as ameaças, mas sofri muitos problemas. Pessoas ligadas a ele que foram buscar diagnóstico antigo meu para saber se eu tinha problema de engravidar para alegar que eu não tinha procurado tratamento.
Meu desejo é que ele viva bastante e fique muito tempo preso. Senão, quem vai ter que ir para o Paraguai somos nós, as vitimas. Quando soube que ele tinha sido encontrado, me paralisei. Não sei se sinto fome, cansaço. Se ele não vai dormir, eu também não. Enquanto não vi as imagens não acreditei. Eu achei que ia ficar muito feliz, mas não conseguia imaginar a sensação. Agora tenho medo de ele não permanecer preso.
Depois de um tempo procurei outro médico, fiz tratamento e sou mãe de trigêmeos. Meu marido sempre me apoiou.”
CRISTINA SILVA,
empresária, divorciada

“Eu fiz o tratamento com ele em 1998. Fiz as três tentativas, mas meu caso não houve o estupro na hora da sedação. Ele me assediou mesmo na sala, na consulta, já logo no início, antes mesmo de o tratamento começar. Eu tentei me desvencilhar dele, tentava ir sempre com minha mãe, meu marido, uma amiga.
Não continuei indo sozinha. Eu mandei uma carta ao Conselho Regional de Medicina porque ele cometeu um erro comigo eu não poderia ter feito o tratamento. Eu tinha uma série de outros problemas hormonais. Ele ignorava todas as vezes que a gente questionava. Mandei primeiro por causa desse erro, segundo por conta do assédio e terceiro porque ele vendia medicação na clínica e tirava a oportunidade de a gente comprar em outro lugar.
Era só ele que tinha e cobrava muito caro. Foram esses os motivos. O CRM acatou e abriu uma sindicância. Isso foi em 1999, e durou anos. Eram órgãos de classe, todos amigos, não tinha como eles acreditarem em mim. Não tinha provas do assédio. Eu não tive os bebês como ele havia me prometido. Eu me separei depois, mas não foi por esse motivo. Acho que o trauma maior foi das outras, que sofreram o abuso. Eu estava sã, ele vinha, me pegava, tentava me beijar, me agarrava.”

(Foto: Lívia Machado/G1)
TEREZA CORDIOLI,
63 anos, escritora, viúva
“Minha história começou quando eu tinha entre 17, 18 anos, em Campinas. Eu tive uma crise de cólica renal e na minha cidade, que é Sumaré, não tinha hospital, e meus pais me levaram para Campinas, no INPS da época. Eu fui atendida por ele (Roger), que me encaminhou para o hospital e fez a internação. Antes de ir para a internação, já no consultório, ele chutou aquele banquinho em baixo da maca para me deitar, fazer a consulta, eu fui sentar ele falou ‘não, eu te ajudo’. No que ele me pegou eu já senti que ele estava excitadíssimo. Eu assustei, fiquei sem saber direito o que era aquilo. E pensei que deveria ser um aparelhinho de médico, e passou.
Ele me mandou direto para o hospital, fui internada, e só ele entrava no quarto, era o único médico que passava. Ele não deixava ninguém mais ser internada junto comigo. Só uma última vez foi uma mulher cega e ele falou para mim: ‘eu sou esperto. Essa daí é cega não enxerga nada. E lá ele aproveitava, fazia de tudo, manipulava, erguia minha roupa. Eu estava com roupa de hospital e sem calcinha porque eu estava de sonda. Tinha dado uma parada renal porque mexeu muito no meu rim para tirar a pedra. Eu com sonda, soro nos dois braços. Rendida. Ele manipulava, sugava meu seio, lambia as partes, tentava colocar o dedo, queria que eu fizesse sexo oral com ele esfregava no meu rosto e saia e voltava dali a pouco. Isso numa época em que ele tinha 27, 28 anos. Ele era médico residente desse hospital.
escritora e viúva
Em seguida eu tive um problema renal novamente, fui internada e ele tentou novamente e foram varias vezes. Até porque eu não contei para o meu pai, para a minha mãe, para os meus irmãos por medo, de vergonha. Na segunda vez, que foram outras tentativas piores do que essa, os avanços eram bem maiores ele queria até comprar minha virgindade quando ele via que eu não cedia. Ele tentou me tirar do hospital. Não quis que a minha família me levasse para casa.
Quando meus pais chegaram ele falou para eles irem embora que eu não estava mais com alta. Os meus pais saíram e ele falou que ia me levar. Naquele momento chegou uma amiga minha, eu já fui arrancado o soro e correndo e fui me vestindo. Ele chegou e falou que era para esperar que ele chamaria um amigo e iríamos em quatro pessoas. A vida da minha amiga também estava em risco. Falei para ela: corre. Nós corremos tanto dentro daquele hospital para fugir, o medo de encontrar com ele no corredor. Eu não assinei alta, fugimos do hospital.
Isso ocorreu no começo de 70, no Hospital Irmãos Penteado, em Campinas. Eu vi a ascensão e a caída, de camarote. E aplaudindo a queda. Quando ele disse que as mulheres não tinham rosto e estavam todas dopadas, tive coragem de me expor. Eu não fui dopada. Foi em 2009 que fiz a denúncia e me juntei às demais vítimas. O maior estupro foi feito pelo Gilmar Mendes (então presidente do Supremo Tribunal Federal), que o soltou. Aí nós criamos mais força na busca.
A sensação é de Justiça. Nem alegria nem tristeza. Eu perdi muitos anos da minha vida com medo, angustia, vergonha, nojo de beijo, daquela baba fedida, ele fede. Só fui me casar com 26 anos, sem nunca ter dito relação. Foi muito difícil.”
