Em vídeo, servidora do DF reforça suspeita de fraude no caso Araújo

Ricardo Moreira Do G1 DF

Um vídeo obtido com exclusividade pelo G1 revela que um registro de atendimento da Secretaria de Saúde do Distrito Federal pode ter sido falsificado a fim de atrapalhar as investigações da polícia sobre a morte do auxiliar de serviços gerais Antônio de Araújo, em 2013.

O auxiliar foi detido por seis policiais militares em maio do ano passado, suspeito de invasão à chácara de um PM. Levado a uma delegacia, ele nunca a mais foi visto com vida após ser liberado. A ossada dele foi encontrada em novembro passado, em uma área de cerrado em Planaltina.

No vídeo, a diretora administrativa do Hospital Regional de Planaltina, Rose Marie Araújo Santos, dá detalhes sobre um registro de atendimento incluído no sistema da Secretaria de Saúde no 7 de novembro de 2013, com o nome do auxiliar de serviços gerais. Conforme laudo do Instituto Médico Legal, Araújo morreu bem antes dessa data: entre 27 de maio de 2013 e 9 de outubro de 2013. O período compreende o dia do desaparecimento de Araújo e o dia em que os restos mortais dele foram encontrados.

A gravação foi feita no último dia 28 de fevereiro durante uma reunião entre a direção do Hospital Regional de Planaltina e uma comissão criada para ajudar nas investigações sobre a morte de Araújo. A comissão é formada por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), familiares de Araújo e a deputada federal Erika Kokay (PT). A diretora administrativa não foi localizada pelo G1.

Imagem de Antônio Araújo cedida pela família (Foto: TV Globo/Reprodução)
Imagem de Antônio Araújo cedida pela família.
(Foto: TV Globo/Reprodução)

A Secretaria de Saúde informou que o caso continua sob investigação da Polícia Civil e que, por isso, apenas a corporação deve falar sobre o assunto. A pasta disse que se “a polícia encontrar algum vestígio de fraude e ver necessidade de depoimentos” dará “todos os esclarecimentos necessários”.

A Polícia Civil informou que não se manifestaria sobre o inquérito porque o caso está sob segredo de Justiça.

O registro de entrada, conforme a explicação da diretora no vídeo, não indica qual a unidade de saúde foi procurada, mas ela diz que alguém da UPA do Núcleo Bandeirante acessou a ficha de Araújo. A diretora administrativa diz, porém, que não identificou a existência de nenhuma Guia de Atendimento de Emergência (GAE) vinculada ao registrado de atendimento.

Isso é uma vergonha para a capital do nosso país. Eu acho que a autoridade máxima que está à frente dessa investigação nos deve explicações sobre isso. Se aqui estão falsificando documento público, imagina em outros lugares”
Silvestre Pereira de Araújo, irmão de Antônio de Araújo

A diretora chama a atenção sobre outro detalhe encontrado no registro de atendimento: a quantidade “excessiva” de informações incluídas na ficha de Araújo, como endereço residencial completo, nome do pai, mãe e telefone de contato. “A ficha dele era muito completa (…) cuidado muito excessivo. Eu tenho certeza que isso não acontece [preencher todas as informações]”, afirma Rose na gravação.

No vídeo, a diretora administrativa afirma não ter dúvidas de que os dados podem ter sido incluídos no sistema da Secretaria de Saúde de forma fraudulenta. “Eu Rose, cidadã, acho que alguém fez em outra regional [de saúde] para desviar o foco da situação. Eu não tenho dúvidas disso. Principalmente porque as informações… tão coesas… isso não é praxe. Pai, mãe, endereço (…) nem eu que trabalho aqui, ‘a gente dá’ esse tipo de informação”, afirma a diretora.

Para a deputada federal Erica Kokay (PT), apesar das investigações da Polícia Civil, a Secretaria de Saúde precisa apurar se houve fraude no registro de atendimento de Araújo. “Penso que, por dever de ofício, já deveria ter feito [a investigação]. Se não fez até o momento, é preciso que faça e com detalhes bem aprofundados. A fala da família dele [Araújo] tem sido desconsiderada pelo Estado. Quando a família disse que ele estava morto, que não fazia sentido ele ter passado por unidade de saúde naquela data [7 de novembro de 2013], ninguém considerou”.

Um dos irmãos de Araújo, Silvestre Pereira de Araújo, diz estar convicto de que alguém fraudou o registro de entrada. “Que houve uma fraude, houve sim. As declarações da diretora administrativa só nos ajudam. Isso é uma vergonha para a capital do nosso país. Eu acho que a autoridade máxima que está à frente dessa investigação nos deve explicações sobre isso. Se aqui estão falsificando documento público, imagina em outros lugares”.

Laudo sobre a morte do auxiliar de serviços gerais relata que a morte de Antônio ocorreu entre 27 de maio de 2013 e 9 de outubro de 2013 (Foto: G1 / Reprodução)Laudo sobre a morte do auxiliar de serviços gerais relata que a morte de Antônio ocorreu entre 27 de maio de 2013 e 9 de outubro de 2013 (Foto: G1 / Reprodução)

Entenda o caso
O auxiliar Antônio de Araújo desapareceu em 27 maio de 2013, após ser detido por seis policiais militares. De acordo com as investigações, ele foi levado até a 31ª DP, em Planaltina, suspeito de ter entrado na chácara de um sargento da PM, e foi liberado após os policiais verificarem que ele não tinha passagem criminal.

Araújo deixou a delegacia na madrugada do dia 27 de maio e nunca mais foi visto com vida. De acordo com depoimento dos policiais, investigados pela corregedoria da Polícia Militar, o auxiliar não aceitou carona após ser liberado e foi embora da delegacia a pé, sozinho.

Penso que, por dever de ofício, já deveria ter feito [a investigação]. Se não fez até o momento, é preciso que faça e com detalhes bem aprofundados. A fala da família dele [Araújo] tem sido desconsiderada pelo Estado. Quando a família disse que ele estava morto, que não fazia sentido ele ter passado por unidade de saúde naquela data [7 de novembro de 2013], ninguém considerou”
Deputada federal Erika Kokay (PT-DF)

No dia 2 de dezembro o caso foi encaminhado da Divisão de Repressão a Sequestro (DRS) para a Coordenação de Crimes Contra a Vida (Corvida).

A ossada de Araújo foi encontrada em novembro em uma área de cerrado em Planaltina. Laudo do IML apontou que o auxiliar de serviços gerais teve quatro costelas quebradas e sofreu hemorragia antes de morrer.

De acordo com o laudo, as lesões nas costelas podem ter sido causadas por queda, acidente, agressões, socos ou chutes. Os peritos avaliam que as fraturas ocorreram em vida, mas que não  há como afirmar, com segurança, que o traumatismo que ocasionou as fraturas provocou a morte de Araújo.

“(…) Como no momento da perícia, os órgãos internos [de Antônio] já haviam sido consumidos”, “(…) não é possível fazer uma afirmativa inconteste relacionando o traumatismo à morte”, diz trecho do documento.

O laudo descarta a tese de que o auxiliar de serviços gerais tenha sido morto a tiros. A informação é encontrada no exame radiológico do restos mortais de Araújo. O estudo “não evidenciou imagem compatível com projétil de arma de fogo ou fragmentos metálicos”, relataram os peritos.

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