A intifada iminente

ALI , JARBAWI, THE NEW YORK TIMES – O Estado de S.Paulo

Hoje, a vida parece transcorrer normalmente para os palestinos na Cisjordânia e em Gaza. As aparências enganam, porém. Antes da intifada de 1987, as coisas também pareciam normais – até explodirem. Mas ninguém deve se surpreender se uma nova intifada irromper nos próximos meses. Muitos especialistas, mesmos os do aparato de segurança israelense, como o ex-chefe do Mossad, Meir Dagan, a estão prevendo.

Nós, palestinos, estamos experimentando a pior situação em muitos anos. E apesar das aparências superficiais de vida cotidiana normal começaram a interagir quatro fatores significativos que poderão desestabilizar um status quo aparentemente estável.

O primeiro, e mais poderoso, é o colapso de qualquer esperança de que a ocupação terminará e os palestinos alcançarão sua liberdade e independência. Esta esperança permitiu que os palestinos suportassem as injustiças diárias na expectativa de um futuro melhor. Foi esta mesma esperança que os levou a apoiar negociações com Israel e a ideia de uma solução de dois Estados.

A esperança sempre esteve correlacionada às realidades do chamado processo de paz. Quando este último parece promissor, a esperança aumenta, e quando ele fica estagnado, o mesmo ocorre com a esperança. O erro estratégico palestino foi pensar que conceder 78% da terra da Palestina histórica em 1993 seria suficiente. Não lhes ocorreu que Israel queria dividir esta terra restante entre eles, deixando-os com – no melhor dos casos – um Estado de sobras.

As condições atuais de Israel para um Estado palestino destruiriam as demandas básicas dos palestinos por liberdade e independência. O prometido Estado palestino seria apenas uma entidade sombra governada inteiramente por Israel. E o preço que está sendo pedido por esse Estado é tão exorbitante que a Autoridade Palestina não pode vendê-lo, nem os palestinos aceitá-lo.

Estes bolsões de terra seriam desmilitarizados, e Israel teria o controle sobre as fronteiras, os céus e os recursos naturais. Para tal, os palestinos precisam desistir do direito de retorno dos palestinos da diáspora, e declarar publicamente que Israel é um Estado judeu. Este é um coquetel tóxico perfeitamente misturado para produzir um levante palestino contra a ocupação israelense, e contra a Autoridade também – se esta aceitar as demandas israelenses e ceder à pressão americana.

O segundo fator é a onda de violações israelenses dos direitos palestinos por todos os Territórios Ocupados. Israel parece querer se antecipar aos resultados das negociações em curso fortalecendo sua presença e consolidando os fatos no terreno em seu favor. Por isso, Israel está judaizando freneticamente Jerusalém, incluindo tentativas diárias de impor sua presença na mesquita Al-Aqsa, aumentando os assentamentos dentro da cidade, destruindo casas palestinas, e transformando palestinos em moradores temporários da cidade. Enquanto isso, o ritmo do confisco de terras e assentamentos na Cisjordânia se acelerou rapidamente; tudo isso foi acompanhado por aumento da violência, incursões noturnas a aldeias e cidades palestinas pelo Exército israelense, pela derrubada de árvores e a queima de campos, e por restrições ao transporte e o estrangulamento da vida econômica.

Gaza, por sua vez, foi transformada numa prisão gigante onde faltam as comodidades mais básicas. O fornecimento de eletricidade é precário, águas pluviais misturadas com esgoto estão invadindo as casas e o padrão de vida é abismal. Para piorar, o presidente americano Barack Obama recentemente excluiu os moradores de Gaza da solução do problema.

O terceiro fator é o estado lamentável dos assuntos econômicos e financeiros da Autoridade Palestina, que se soma à miséria dos palestinos que vivem nos Territórios Ocupados. A Autoridade é a maior empregadora dos Territórios, e está experimentando um grande déficit orçamentário. Os empregados da Autoridade já não têm o pagamento mensal regular garantido, o que provocou um aumento da ansiedade em toda a sociedade. Sem salários, a economia vai desacelerar até a paralisação.

A situação é agravada ainda mais porque os doadores, tanto árabes como internacionais, diminuíram seu apoio financeiro à Autoridade; sem esse apoio, ela não pode existir. A União Europeia, maior fonte de financiamento da Autoridade, começou a insinuar que poderia cortar todo seu financiamento se o processo de acordo político for rompido. Isso aumentou a pressão sobre uma liderança cuja legitimidade junto à população já está erodindo.

A insolvência financeira da Autoridade está criando mais problemas para os palestinos nos Territórios Ocupados, em especial os jovens. Os empregos são escassos, e as taxas de desemprego de palestinos jovens dispararam. Mesmo aqueles que têm empregos já não têm o salário mensal garantido, dificultando assim que eles paguem os empréstimos bancários de que muitos dependem para enfrentar a alta do custo de vida. Esta incerteza produziu uma nova fonte de insatisfação numa população já frustrada.

O fator final é a mudança e o fermento que os palestinos veem ao seu redor. A Primavera Árabe acendeu um sentimento de possibilidade em muitos jovens palestinos. Os árabes jovens partilham suas esperanças e frustrações pelas redes de mídia social. Um de seus refrões recorrentes é que a juventude árabe se levantou contra líderes árabes, então por que ela não poderia se levantar novamente contra um ocupante estrangeiro? Tudo isto tem deixado os palestinos inquietos. Por enquanto, os apelos da Autoridade para conter a ira parecem estar funcionando, mas isto não durará muito mais tempo.

Se nada for feito para aplacar a ansiedade e a desesperança crescentes dos palestinos, será uma questão de tempo até os Territórios Ocupados explodirem. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

É CIENTISTA POLÍTICO E EX-MINISTRO DA AUTORIDADE PALESTINA

 

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