Globo Repórter, TV Globo
Márcia, mãe de Ruth: ela chegou só com uma pneumonia, uma febre, e nada deles darem remédio pra menina pro catarro e deixando a menina piorar desse jeito.
Globo Repórter: quanto tempo ela tá aqui?
Márcia: quatro dias.
Em janeiro de 2011, no Hospital Mário Pinotti, em Belém, o Globo Repórter acompanhou os últimos momentos da vida de Ruth.
“Não tem oxigênio, olha não tem nada montado, a sala vazia, e eu tô vendo a criança morrer aqui na minha frente sem poder fazer nada”, disse a médica.
As cenas que foram ao ar causaram indignação. Foram imagens e sentimentos que nós não esquecemos.
Quase três anos depois viajamos à Salvaterra, na Ilha do Marajó, para reencontrar a família.
Lá, onde se tem tão pouco, Ruth não foi esquecida.
Por ter morrido antes dos 5 anos, por ser vítima de leishmaniose visceral que é doença de notificação obrigatória, por ter sofrido sem diagnóstico em três hospitais e por ter a agonia comprovada pela câmera do programa, a morte da irmã de Yasmin deveria ter sido apurada com rigor.
Márcia, mãe de Ruth: o único pessoal que procurou a gente foi de, seria de fazer exame pra ver se a gente também não tava com os mesmos sintomas que ela tinha (edita)
Globo Repórter: o Conselho Regional de Medicina não te ouviu?
Márcia: não, ninguém chamou a gente, não
Márcia lembra que a filha ficou internada no hospital da cidade vizinha, Soure, e duas vezes no hospital de Salvaterra.
Márcia: ela ficou internada lá mais de semanas e o médico receitou também só uns remédios pra ela.
Globo Repórter: quem é o médico que atendia?
Márcia: doutor João Miranda.
Globo Repórter: o senhor lembra dos primeiros sintomas dela?
João Miranda, médico: pneumonia. Eu que mandei bater o raio-x dela
Globo Repórter: perder a vida da Ruth foi difícil pro senhor?
João Miranda: olha, eu não senti muita coisa porque eu só tive contato com ela 24 horas. Outros colegas fizeram o certo, encaminharam pra Belém. Belém não deu suporte, o que eu posso fazer?
O médico João Miranda trabalha há nove anos como clínico e cirurgião no Hospital de Salvaterra
Globo Repórter: o senhor consegue fazer cirurgia nesse hospital?
João Miranda: e muito
Globo Repórter: tem anestesista?
João Miranda: eu faço anestesia. Eu me preparei para o interior. Fiz residência em cirurgia geral, residência em oftalmologia, residência em ultrassom.
Ele é dono da clínica particular que abriga o único ultrassom da cidade, usado em convênio com o SUS. Foi lá que o encontramos para falar sobre a saúde na região e sobre Ruth.
João Miranda: o nosso recurso aqui é limitado
Globo Repórter: o que faltou pra ela aqui?
João Miranda: aqui nada, não faltou nada
O relato do médico não bate com o da mãe. As apurações também não ajudaram a esclarecer e corrigir as falhas que provocaram ou colaboraram para a morte de Ruth.
José Antonio Cordero é professor de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Pará e ex-conselheiro do Conselho Regional de Medicina. A equipe levou para ele o relatório do CRM que inocentou todos os médicos que atenderam Ruth. É um documento cheio de erros.
E que não apontou falhas ou melhorias que poderiam evitar outras mortes.
“Você sabia que isso pode ser levado para o conselho federal de medicina? Acredito que poderia ser um fato bem apurado pela auditoria do SUS. Acredito que a gente tem que ser menos superficial, que a gente tem que ser um pouco mais, não olhar só a atitude do médico ou de dois médicos, mas de todo o contexto”, ressalta José Antonio Cordero, médico e professor da UEPA.
O atual presidente do CRM não quis falar sobrea morte de Ruth. Não encontramos nenhuma outra apuração feita pelo hospital, pelo Ministério Público ou auditoria do SUS. A médica que naquele dia atendeu Ruth em situação de emergência pediu demissão.
Annethe Nascimento, médica: Ah, me dá um sentimento de revolta, uma frustração, uma tristeza. Parece que todos os anos que eu passei de faculdade, de diploma, não me serviram de absolutamente nada.
Globo Repórter: você tem esperança de que isso mude no Brasil?
Annethe Nascimento: por tudo que eu passei e o que eu estou vendo, é difícil falar isso, ser pessimista, mas parece que as coisas não mudam, não saem do lugar.