Globo Repórter, TV Globo
Neste país tão grande, não são poucos os brasileiros que vivem longe. Longe da atenção e dos cuidados de quem organiza e distribui os recursos da saúde. É assim nas pequenas cidades da Ilha do Marajó.
As carências são tantas que coisas básicas ganham status de luxo. Uma mulher que está na maca acaba de dar a luz com a mesma roupa que vestia ao chegar. A vida em condições assim parece ter a força dos milagres.
E é bom que não precise de berço aquecido, incubadora, equipamentos que fazem a diferença entre a vida e a morte em um lugar isolado como Cachoeira do Arari. Semanas atrás trigêmeos nasceram e morreram lá.
“Fizeram o parto e os bebês duraram algumas horas porque não tínhamos onde colocar os bebês. Foi chamado o resgate antes pra ver se levava a mãe, mas não conseguimos. Um caso que o município nunca vai esquecer”, conta diretora do hospital Ângela Barbosa.
As cubanas Margarida Sanches e Maria Caridad, contratadas pelo programa Mais Médicos, estavam em fase de reconhecimento e adaptação quando a equipe do programa esteve no Marajó.
Cachoeira do Arari só tinha um médico pra atender mais de 20 mil moradores. E eles não estão só na cidade, se espalham por comunidades ainda mais distantes e com menos recursos.
“Não tem posto de saúde. Uma escola, nada mais, sem água. Eles têm que carregar a água como daqui ao hospital para a escola”, diz uma das cubanas.
A casa onde iriam morar estava sendo reformada e um posto de saúde construído.
“O Programa Nacional de Atenção Básica requer médicos, enfermeira, agente comunitário de saúde, odontologia, equipamento”, conta a cubana.
“A pessoa pode achar que tendo um médico lá na Ilha do Marajó está resolvido o seu problema de saúde. Não está e isso é um engano, isso é uma pseudo-assistência porque ele vai precisar de outras coisas e não vai ter. Essa é a diferença e se for um médico mal formado, pior ainda”, presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto Luiz D’Avila.
“O Mais Médicos está clareando essa questão da cultura do não cumprimento de horário. A população e os gestores locais têm ficado surpreendidos com esses médicos ficando 40, 32 horas, todos os dias, cumprindo a carga horária. Esse caminho de ter médico na atenção básica, com qualidade e 40 horas é sem volta”, afirma Helvécio Magalhães, secretário nacional de Atenção à Saúde.
Para os brasileiros que vivem longe, só o que importa é ter diagnóstico e tratamento.
“Quando eu estava trabalhando às vezes sentia tonteira, escurecia as minhas vistas, ardia o meu estômago”, diz Silvaldo da Silva, roceiro.
No hospital de Salvaterra, o médico diz que Silvaldo tem leishmaniose visceral, conhecida como calazar, doença grave que afeta vários órgãos e é transmitida por insetos. Na cidade vizinha acharam que era outra coisa. “Falou que era anemia, gastrite e verme. E continuei me sentindo mal”, diz Silvado.
O calazar é comum no Marajó, mas Silvaldo demorou sete meses para saber o que tem. No dia 18 de outubro, a equipe decidiu esperar junto com ele pela medicação.
Alívio de um e desespero de quem já está cansado de pedir e esperar.
Leila Cristina de Freitas, secretária da Saúde de Salvaterra: Eu precisaria de ambulância, ambulanchas, médicos no município, profissionais que tenham o compromisso realmente com a vida humana.
Profissão Repórter: A senhora se sente sozinha aqui?
Leila Cristina de Freitas: Abandonada muitas vezes.
O sentimento da secretária de Saúde da Ilha do Marajó, não é muito diferente do de Patrícia, moradora da capital do Brasil.
“Eu me senti assim abandonada. Eu me emociono até hoje de falar”, revela Patrícia.
Um mês e meio depois de registrar ela caindo com a mãe na porta do hospital de Taguatinga, a equipe do programa reencontrou Patrícia. Ela batalhou e conseguiu vaga para a mãe em um hospital de cuidados paliativos em Brasília. Um lugar para dar conforto a quem já não responde aos tratamentos. Um alívio que chegou, mas demorou. Uma demora injusta para essa jovem brasileira que vive de esperança.
Globo Repórter: O que você quer pra sua mãe agora?
Patrícia: vida, saúde e mais força.