
– Você sabe o que eu penso sobre isso? Os líderes da Igreja têm sido muitas vezes narcisistas, bajulados por seus cortesãos. A Corte é a lepra do papado – afirmou.
Perguntado se estava se referindo à Cúria, o Papa explicou que apesar de a Cúria (governo da Igreja) não ser propriamente uma corte, existem “cortesãos”.
– Não, na Cúria há alguns cortesãos, mas a Cúria como um todo é outra coisa. Gerencia os serviços necessários à Santa Sé. Mas tem um defeito: é Vaticano-cêntrica. Cuida dos interesses do Vaticano, que ainda são em grande parte interesses temporários. Essa visão esquece do mundo que nos rodeia. Não compartilho dessa visão e farei de tudo para mudá-la.
Sobre o conselho de cardeais, o chamado G-8 do Vaticano, Francisco advertiu que não se trata de cortesãos, mas de pessoas sábias e encorajadas com os mesmos objetivos. O Pontífice declarou-se consciente das dificuldades, mas convencido de que deve-se seguir em frente, com “prudência, firmeza e tenacidade”.
– Este é o começo de uma Igreja com uma organização não tão vertical, mas também horizontal.
O encontro entre o Papa e o jornalista ocorreu na última terça-feira, na residência Santa Marta, depois de os dois terem trocado cartas públicas sobre crença. A entrevista inicia-se com uma das principais preocupações de Francisco, já reveladas durante a viagem ao Rio: jovens e idosos.
– Os males mais graves que afligem o mundo nos últimos anos são a falta de trabalho para os jovens e a solidão dos idosos. Os idosos têm necessidade de cuidados e de companhia. Os jovens, de trabalho e de esperança, mas não têm nem um nem outro, e o problema é que já não buscam mais. Estão presos no presente. Você pode viver preso no presente? Sem memória do passado e sem o desejo de projetar um futuro construindo um projeto, uma família? – questionou.
Ele insistiu em sua intenção de abrir os braços da Igreja:
– Todo mundo tem sua ideia do bem e do mal e deve optar por seguir o bem e combater o mal a partir de sua compreensão. Isso seria o suficiente para melhorar o mundo.
O Papa também revelou que depois de ter sido eleito líder da Igreja Católica em março, considerou por alguns instantes a possibilidade de rejeitar o posto.
– Antes de aceitar, perguntei se poderia retirar-me por alguns minutos para um quarto anexo ao da varanda sobre a praça. Senti muita ansiedade – disse. – Fechei os olhos e todos os pensamentos desapareceram. Inclusive o de rejeitar a designação. Em algum momento, uma grande luz me preencheu. Durou um momento, mas pareceu muito tempo.
Eugenio Scalfari termina a entrevista dizendo que “se a Igreja torna-se aquela que ele (Francisco) quer e imagina, ele terá mudado uma época”.