
Ricardo Penna
Minha avó, Coracy Uchôa Pinheiro, tinha muitos filhos. Nove gerados com determinação, fibra e disciplina. Mesmo com essa penca de meninos e meninas resolveu adotar uma cidade. Junto com Israel Pinheiro, Coracy, nascida em Paracatu, com pouco mais de 40 anos, mudou-se para o cerrado com uma missão: construir Brasília. Junto com Israel Pinheiro comeu a poeira fina que cobria a tudo e a todos e ainda arranjou tempo para lavar roupa à beira de córregos.
Nascida em Paracatu Dona Coracy sabia o que era o cerrado. Conhecia os tortuosos troncos das árvores e a seca que tomava conta de um dos maiores municípios de Minas Gerais. De sua mãe, Dona Estefânia, Coracy buscou as qualidades de matriarca cuidando da família com mão forte e cuidando do comportamento dos netos, bisnetos e tataranetos. De seu pai, Virgílio, buscou a fortaleza, a fibra e a coragem nordestina para enfrentar ambientes hostis e áridos.
Primeiro em Paracatu, depois na Rua Ceará em Belo Horizonte, em seguida no Catetinho e por fim na Palácio da Liberdade em Minas Gerais. Não importava o entorno. Lá estava Dona Coracy atrás de problemas e preocupada com todos os detalhes. Da pressão dos governos militares contra o governador Israel Pinheiro até a saúde do tataraneto que acabara de nascer, precisava saber de tudo e tinha receitas para a maioria deles.
Dona Coracy não desenhou nenhum prédio em Brasília, não planejou nenhuma superquadra, não assentou nenhum tijolo na construção. Silenciosa, assinou sua passagem com a amálgama que une as diferenças e dilui as dificuldades. Corajosa, enfrentou a vida no planalto central sem reclamações ou lamentos. Tinha paciência para com todos mas reclamava, em voz baixa, de Guimarães Rosa que andava o dia inteiro com um caderninho garimpando palavras novas para seus livros. Era apenas uma reclamação para milhares de problemas. Pode ir Dona Coracy, depois de uma longa ausência, vá descansar, em paz, ao lado do Dr. Israel Pinheiro. Boa viagem.