‘Movimento aglutinou outros setores’, diz especialista

Roberta Salomone, O Globo

 Em entrevista ao GLOBO, o cientista político Pedro Arruda diz que o aumento das tarifas de ônibus é apenas o estopim.

O que é o movimento Passe Livre afinal?

É bom deixar claro que esse movimento não nasceu da noite para o dia. Dois anos atrás, em janeiro de 2011, foi realizado um protesto no mesmo teatro municipal em São Paulo com a presença de 4.000 pessoas. Esse é um movimento que ganhou visibilidade agora, mas que já existia. E essa não é uma reinvidicação apenas contra o aumento de 20 centavos na tarifa de ônibus, é um movimento a favor do passe livre como já existe em outras cidades do mundo. Agora, o movimento ganhou força, conseguiu aglutinar outros setores e começa a acontecer em outras cidades também embora não haja a presença de nenhum partido político liderando esses protestos.

Existem outros motivos para as manifestações?

O estopim foi realmente o aumento das tarifas de ônibus, que pode exercer uma pressão sobre o poder aquisitivo do salário. Alguns podem até achar que vinte centavos é muito pouco, mas isso pode pesar bastante na vida de quem ganha um salário mínimo. Estamos falando de um serviço muito precário aqui em São Paulo. Os ônibus estão sempre lotados e atrasados, principalmente nas áreas críticas e nos momentos de ida e volta para o trabalho. A população sabe que o trânsito é caótico, que o serviço prestado é muito ruim, mas não sabe se o aumento da tarifa vai trazer alguma melhoria do serviço.

E quem são os manifestantes do Passe Livre?

O perfil dessas pessoas é de jovens entre 20 e 30 anos. Já a origem social é muito diversa. Tem pessoas da periferia, jovens empregados e desempregados, pessoas que levam mais de duas horas para chegar ao trabalho e muitos universitários também. Entre os estudantes, há os que a família podem pagar R$ 2.000 de mensalidade e os bolsitas com dificuldades financeiras. Ainda é difícil apontar um perfil definido, mas acredito que a maioria seja de classe média.

Seriam pessoas que usam transporte público todos os dias?

Não necessariamente. Conversei com diversos alunos na faculdade, por exemplo, que não usam o transporte público, mas que manifestaram vontade de participar dos protestos. E não acho isso um problema. Há uma crítica grande que os jovens são alienados, mas quando resolvem participar de protestos como esse viram alvo. Acho que existe uma contradição nesse discurso.

Por que o senhor acredita que a maioria das passeatas no Brasil são setoriais?

Existe ainda uma dificuldade muito grande em obter um consenso com relação a uma reinvidicação mais ampla. Não vemos protestos no sentido de uma reforma política, agrária, tributária ou uma reforma que realmente mude a estrutura de poder na sociedade. A pauta acaba sendo por alguns aspectos pontuais. Mas ao mesmo tempo é enorme a capacidade de organização e articulação com a ajuda das redes sociais. Essa é uma forma de poder contra hegemônico. As pessoas hoje podem compartilhar e comentar artigos, opiniões e têm a capacidade de convocar um ato como o que aconteceu na quinta-feira.

O senhor acha que as autoridades estão preparadas para lidar com manifestações como essa?

Não. E sendo assim, temos que levar em consideração o fato que o responsável pela segurança pública é a a polícia militar. Por que nós temos uma polícia militarizada? Isso não ocorre em outros países, que tem civis fazendo o patrulhamento nas ruas. Essa é uma herança da ditadura, de um período autoritário e que já foi alvo de críticas vindas de diversas organizações internacionais de defesa de direitos humanos. O nosso país é um dos poucos do mundo que conta com uma estrutura como essa. A defesa da desmilitarização da polícia deveria também ser discutida nesse momento. Os policiais não estão preparados nem para dialogar. O que eles fazem é usar bombas de efeito moral contra a população.

O senhor compararia a manifestação pelo Passe Livre com alguma já ocorrida no Brasil?

Podemos encontrar alguns paralelos, como por exemplo, na época do Plano Cruzado, quando houve o anúncio do fim do congelamento dos preços e a volta da inflação. A população ficou enfurecida e foi às ruas em Brasília. As pessoas enfrentaram a polícia e aquele episódio ficou conhecido como Badernaço. No que diz respeito ao Passe Livre, até então predominava-se a ideia de que o protesto é pacífico. Mas há quem tenha receio de que existam policiais infiltrados filmando e identificando os ativistas. São especulações, alguns manifestantes afirmam que existem policiais infiltrados com o propósito de tumultuar e justificar a repressão.

Qual seria a melhor maneira então para atender as reinvidicações ou acalmar os ânimos?

Está faltando diálogo. Eu vejo da parte do movimento uma vontade de dialogar. É importante discutir a proposta. Esse não é apenas um movimento contra a tarifa de ônibus, mas também contra uma sociedade individualista, que prioriza o transporte privado. Nas vias expressas de São Paulo, nos pontos de maior trânsito, o que mais vemos são carros com apenas uma pessoa. A mobilidade é um tema extremamente importante e há pesquisas que mostram que muita gente deixaria os carros na garagem se tivesse um transporte público eficiente. Mas enquanto não tem, há quem use helicóptero. Assim fica difícil chegar numa solução.

 

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