“É uma situação de impotência, de humilhação, em que a condição de ser humano é tão esfrangalhada que você não consegue passar o que realmente acontece quando você está sendo torturado”. Assim a ex-integrante do PCB Marise Egger tentou descrever nesta quarta-feira, em depoimento à Comissão da Verdade de São Paulo, como foram os 30 dias de tortura por que passou no DOI-Codi em outubro de 1975. As informações são de O Globo.
Feminista, ligada ao movimento estudantil, Marise foi presa em São Paulo 23 de outubro, momentos depois do marido, o jornalista George Duque Estrada. No dia seguinte, era preso o também jornalista Vladimir Herzog, barbaramente torturado e que morreu um dia depois. Marise conta que ouvia os gritos da sala contígua, pensando que era seu marido quem estava sendo morto.
Mãe de dois filhos, Marise denuncia a violência sexual pela qual passaram as mulheres no DOI-Codi.
— Eu estava amamentando o meu filho Tiago e recebi muitos choques nos seios. O leite descia. E ali se deu uma discussão entre os torturadores. Uns queriam que parassem, outros que continuassem. É uma coisa doentia, perversa — conta ela que, dois anos depois, não pôde amamentar a filha recém-nascida porque sofrera necrose no seios: — Quero dizer que a mulher até hoje, nas delegacias, quando é presa, ou em qualquer guerra, a primeira coisa que se faz com uma mulher é violentar sexualmente. Isso foi, é e só deixará de ser se as mulheres realmente lutarem e a sociedade democrática punir isso com vigor. Na prisão, no DOI-Codi, nesse aparelho ilegal, as mulheres foram sempre, sempre, sempre abusadas sexualmente. De várias formas.
Marise fez um apelo à Comissão da Verdade, pedindo que seja levantado o número real de presos e torturados políticos. Como a maioria dos presos políticos, ela pede a punição dos responsáveis pelos crimes de Estado.
— Naqueles dias estavam presos no DOI e no Dops militantes do Partido Comunista Brasileiro. Eram 97 pessoas. Foram torturadas, com métodos que todos os senhores conhecem. Entre as 97 pessoas que estavam presas havia outras 19 mulheres.
Marise diz que passou a maior parte do tempo com um capuz e que raras vezes pode ver o rosto de seus torturadores. Anos depois, a socióloga conta que acabou expulsa do PCB. O motivo, conta ela, é porque era feminista.
— Era um desvio pequeno-burguês. A repressão também não suportava as feministas — diz ela.