Promotores explicam as primeiras denúncias do incêndio na Kiss (Foto: Felipe Truda/G1)
O Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou nesta terça-feira (2), em Santa Maria, os primeiros nomes dos responsáveis pelo incêndio na boate Kiss, que resultou na morte de 241 pessoas. Oito pessoas foram acusadas criminalmente, quatro delas por homicídio doloso qualificado e 623 tentativas de homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho.
Foram acusados de homicídio doloso qualificado, na modalidade de dolo eventual (quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, mesmo sem intenção), os dois sócio-proprietários da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffman, e os dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.
Os quatro envolvidos já se encontram presos preventivamente desde 28 de janeiro, o dia seguinte ao incêndio na casa noturna. Caso a denúncia seja aceita pela Justiça, eles irão à júri popular. A intenção dos promotores que trabalharam no caso é manter o caso em Santa Maria.
“Não importa quantas manobras sejam feitas (pelos advogados de defesa), nós queremos que a sociedade de Santa Maria julgue a tragédia de Santa Maria”, afirmou o coordenador do Centro de Apoio Criminal do MP, promotor David Medina.
Segundo o promotor, o dolo eventual dessas quatro ficou amplamente comprovado durante as investigações da polícia e análise do MP. Na avaliação do órgão, tanto dos proprietários da boate quando dos integrantes da banda tinham conhecimento do risco a que submeteram o público ou poderiam prever o resultado, mas não agiram ou foram indiferentes.
“Lá dentro, havia um show pirotécnico. Havia uso de fogo em um local totalmente inapropriado para receber qualquer tipo de chama. Havia madeira, havia cortinas e, infelizmente, havia pessoas. E mais: havia uma espuma altamente inflamável usada no revestimento do palco”, enumerou Medina.
“Tanto os músicos tinham consciência disso (do poder do fogo de artifício), que o acionaram usando uma luva. A Kiss era um verdadeiro labirinto. Estava superlotada, não havia indicação adequada de sua saída, não haviam saídas adequadas, além de serem pequenas e terem barras ao seu redor, que impediram a passagem das pessoas”, acrescentou o promotor.
Também foram denunciados por fraude processual dois bombeiros: o major Gerson da Rosa Pereira e o sargento Renan Severo Berleze. Segundo o inquérito policial, os dois adulteraram o arquivo onde estava guardada a documentação referente à boate Kiss no Corpo de Bombeiros, incluindo laudos técnicos nos dias seguintes ao incêndio.
Outras duas pessoas foram denunciadas por falso testemunho: lton Cristiano Uroda (ex-sócio da Kiss) e Volmir Astor Panzer, contador de um empresa de propriedade da família de Kiko Spohr. O nome deste último não foi apontado pelo inquérito policial, mas os promotores entenderam que ele tentou omitir quem era, de fato, sócio investidor da boate.
A denúncia do MP será entregue ao juiz da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, Ulysses Fonseca Louzada, após o encontro com a imprensa. Os promotores Joel Dutra, Maurício Trevisan e David Medina apresentaram as primeiras análises sobre os indícios de crimes cometidos pelas pessoas responsabilizadas no inquérito de 13 mil páginas, entregue pela Polícia Civil no dia 22 de março, após 54 dias de investigação.
A denúncia do MP dá início ao processo criminal na Justiça. Ela traz a descrição dos fatos e aponta os responsáveis, que se tornam acusados. Se o juiz acatar a denúncia contra todos ou parte dos acusados, eles viram réus. Depois disso, a Justiça estabelecerá o prazo de 10 dias para as defesas se manifestarem. A partir daí, começa a fase de instrução do processo, com audiências para o depoimento de testemunhas, réus, etc.
As decisões do MP Denunciados por homicídio doloso qualifica e 623 tentativas de homic´dio – Elissandro Callegaro Spohr (sócio-proprietário da Kiss) – Mauro Londero Hoffman (sócio-proprietário da Kiss) – Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira) – Luciano Augusto Bonilha Leão (produtor da banda Gurizada Fandangueira)
Denunciados por fraude processual Gerson da Rosa Pereira (major do Corpo de Bombeiros) Renan Severo Berleze (sargento do Corpo de Bombeiros)
Denunciados por falso testemunho Elton Cristiano Uroda (ex-sócio da boate Kiss) Volmir Astor Panzer (contador de empresa de propriedade da família Spohr)
Pedido de novas investigações para a Polícia Civil Ângela Aurelia Callegaro (irmã de Kiko, proprietária da boate no papel) Marlene Teresinha Callegaro (mãe de Kiko, proprietária da boate no papel) Miguel Caetano Passini (secretário de Mobilidade Urbana) Beloyannes Orengo de Pietro Júnior (chefe da fiscalização da Sec. de Mobilidade Urbana)
Mudança de qualificação de homicídio doloso para culposo* Gilson Martins Dias (bombeiro que vistoriou a boate) Vagner Guimarães Coelho (bombeiro que vistoriou a boate) * O caso será remetido para a Justiça Militar
Pedidos de arquivamento Ricardo de Castro Pasche (gerente da Kiss) Luiz Alberto Carvalho Junior (secretário do Meio Ambiente) Marcus Vinicius Bittencourt Biermann (funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o Alvará de Localização da boate)
Entenda O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 241 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. O inquérito policial, que indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12, conclui que:
– O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco – As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo – O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou – A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás – Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas – A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular – As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas – A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída – Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência – As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário – Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas. (G1)